sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Artigo do Jornal i sobre Medina Carreira

Medina Carreira: voz lúcida sobre o país ou profeta da desgraça?

Portugal? "Isto é uma santola que vai andando até que alguém lhe quebre a casca." A economia? "Tenho a certeza que Portugal vai empobrecer e que iremos ter dias desastrosos." Os políticos? "Bordalo Pinheiro falava na política como a 'Grande Porca' - hoje eu acrescentaria: a 'Grande Porcaria'". O ensino? "É um crime. Um aluno sai dali e não sabe escrever." A imprensa? "Há jornais que são agora mais submissos do que no tempo do Salazar." Soluções? "Não há soluções e quem não disser isso é trafulha."

Assistir a uma entrevista com Medina Carreira, o comentador de economia mais ouvido em Portugal, é um exercício que tem tanto de divertido (pela forma como corta a direito, num país de discursos redondos), como de deprimente (pela dureza do diagnóstico). É frequente ouvir as críticas de que este homem de 78 anos e com três cursos superiores é um pessimista militante, um Vasco Pulido Valente da economia. Mas, mais expressiva é a legião de seguidores que admiram as análises claras e o discurso sem curvas (a promoção ao Jornal Nacional da TVI, que a estação guardou na gaveta, incluía Carreira a afirmar: "Eu vim aqui para dizer a verdade"). As suas entrevistas à SIC são um sucesso no YouTube e o livro "O Dever da Verdade", em colaboração com o jornalista Ricardo Costa, já esgotou sete edições.

"Tenho a noção de que isso não tem a ver comigo, as pessoas estão é habituadas a muita conversa mole, que não diz a verdade toda", afirma ao i Medina Carreira, que confessa que é abordado por pessoas na rua. "Eu digo a verdade toda - pode estar errada, mas é a minha verdade". E a verdade segundo Medina Carreira é implacável: com os actuais políticos, valores no ensino e na justiça, o país está condenado a um ciclo de empobrecimento, que já se está a verificar e põe em causa a própria democracia. Lucidez ou exagero?

"É um pessimista, mas é difícil de contrariar quando fala sobre economia porque tem uma base de sustenção em factos que é brutal", diz Ricardo Costa. Já reformado, Medina Carreira passa muito tempo a reunir números e a analisá-los. "Mas é mais frágil fora do campo da economia, ao desqualificar permanentemente a classe política, que não ajuda a resolver o problema", acrescentou. Já António Nogueira Leite elogia a frontalidade, mas receia que esta perca eficácia. "Enerva-se demasiado", comenta. Sobre a eficácia da sua mensagem o próprio Medina Carreia não tem dúvidas: "Se a minha voz fosse respeitada não se andavam a fazer estas burrices".

Para contrariar o declínio que anuncia, o ex-ministro das Finanças de Mário Soares defende a urgência de uma liderança política que promova o rigor e a disciplina, não só na economia - valores intimamente ligados ao início do seu percurso académico e profissional, no qual se inclui uma passagem de nove anos no Instituto dos Pupilos do Exército e um curso completo de indústria, com um emprego aos 20 anos na indústria do aço.

"Para entender uma pessoa como eu tem de perceber quem andou nas escolas industriais, na fundição coberto de poeira a vazar aço incandescente, quem foi empregado de escritório, advogado e passou pela política, sempre com um rigor intransigente em matéria de dinheiro", sublinha Medina. As pessoas que hoje decidem não tiveram o mesmo percurso, senão pensariam como eu".

Depois viria um período de três décadas de trabalho e estudo em paralelo - no estudo, Medina acumulou mais três licenciaturas (Engenharia Mecânica, Pedagogia e Direito) e a frequência do curso de Economia, no ISEG. No trabalho, fez da advocacia profissão (fiscalidade é a especialidade) e passou pela política - primeiro como secretário de Estado do Orçamento de Salgado Zenha, depois como ministro sob Soares, entre 1976 e 1978. Nestes anos partilhou com Silva Lopes (então governador do Banco de Portugal) a primeira crise financeira portuguesa, tendo negociado o primeiro empréstimo com o FMI. "Eu e o Dr. Silva Lopes experimentámos essa sensação de mendigar ao estrangeiro - as pessoas hoje não sabem o que isso é". Dessa altura, e com os combustíveis a subir, ficou também a tirada de que os portugueses poderiam "voltar a andar de burro como os avós". "O burro foi brincadeira, era preciso apertar - as pessoas andavam a gastar o que não tinham", disse, no mesmo tom que usa hoje.

A saída da política aconteceu em 1978, mas foi em 2000 que rompeu com estrondo com o PS, por quem tinha sido convidado (por Sousa Franco) para esudar a reforma da tributação do património, que seria abandonada por Pina Moura. "Tenho incompatibilidade nata com quem não tem palavra. Desonraram um compromisso de honra - Guterres e Pina Moura assobiaram para o lado, como se nada fosse", conta. Ao i, Pina Moura preferiu não comentar.

Fonte: Jornal i