terça-feira, 12 de maio de 2009

Entrevista de Maria Flor Pedroso a Medina Carreira na Antena 1 em Outubro de 2008

A entrevista pode ser descarregada em .mp3 AQUI
fonte: http://mlopes.online.co.pt/sociedade/entrevista-a-medina-carreira-na-antena1/

Transcrição da entrevista de Maria Flor Pedroso a Medina Carreira para o seu programa semanal na Antena1 de 3-out-2008

[Maria Flor Pedroso (MFP)] - Ora viva bom dia Dr. Medina Carreira, retomamos a entrevista semanal na Antena1 agora à sexta em directo sempre depois das notícias das dez. É amigo de sempre de Mário Soares, apoiou agora na última eleição Cavaco Silva para a presidência da república Ainda é amigo do Dr. Mário Soares?
[Medina Carreira (MC)] – Sou, sou…
[MFP] – …mesmo depois de ter apoiado o seu rival…
[MC] – …não tem nada que ver uma coisa com a outra…
[MFP] - …ele não se zangou muito consigo…
[MC] – …não, ele não se zangou, ele é um homem que percebe as coisas. Ele percebeu que de facto não se deveria ter candidatado.
[MFP] – Uma das coisas que o Sr. disse há 2 anos quando essa campanha começou é que tanto poderia ter apoiado Cavaco como Soares porque tinha a intuição que íamos acabar mal, dizia isto ao jornal de negócios, e dizia ainda que tem a intuição que vamos acabar mal, vamos ter uma crise grave, vamos entrar num ciclo de pobreza, o Dr. Soares pela sua maneira de ser aceleraria esse ciclo, e o Prof. Cavaco Silva pode adiá-la 2 ou 3 anos mas não sei se será capaz de a evitar. Quando dizia isto estava a pensar nesta crise?
[MC] – Não, nesta ninguém pensava, é que o nosso problema não nasceu agora, isso é um equívoco... Sabe que em Portugal vocês só fazem análises de 3 em 3 meses e 3 em 3 meses não dá para perceber coisa nenhuma...
[MFP] - ...vocês, está a falar de comentadores...
[MC] - …vocês comunicação social, que por seu turno veicula aquilo que os políticos e as estatísticas dão, mas isso não serve para nada, isso só serve é para enganar o pessoal, porque se nós formos ver, por hipótese o último quarto de século português, nós no último quarto de século 80-2007 crescemos ao ano 2,4[%], mas destes 27 anos em 17 deles, por conseguinte em 2/3 crescemos 0,9[%]…
[MFP] - …não chega a um por cento…
[MC] - …não chega a um e esta é que é a realidade portuguesa, e esta realidade não está a ser atalhada porque os partidos políticos e os governos têm que trabalhar para hoje, quer dizer, têm que enganar hoje…
[MFP] - …enganar?
[MC] - …enganar, com sondagens, com conversa, este governo é um governo de conversa porque é preciso manter um entusiasmo que não corresponde à nossa realidade…
[MFP] - …mas também sem entusiasmo não se faz nada, não é deprimido que se faz alguma coisa…
[MC] - …entusiasmo sobre a verdade , deve dizer-se o que é o pais e para onde vai o país se não fizermos isto ou aquilo ou aqueloutro e aquilo que andam a fazer é que o pais vai para certo sitio que não vai... o país com a educação que nós temos com a justiça que nós temos com a corrupção que nós temos com a burocracia que nós temos com tudo isso, este pais não tem futuro no mundo de hoje.
[MFP] – Mas Dr. Medina Carreira, o que é que se safa em Portugal?
[MC] - o que se safa são os portugueses. São é pessimamente dirigidos, são enganados sistematicamente, já eram enganados no tempo de Salazar e continuam agora a ser enganados de outra maneira.
mpf - Mas apesar de tudo em democracia. Há-de haver alguma virtualidade…
[MC]- …ouça, uma democracia.... este episódio dos EUA em que a câmara dos representantes votou contra é o exemplo de uma democracia porque eles são eleitos pelo eleitor, aqui os deputados são eleitos pelos chefes do partido e portanto há disciplina de voto têm que estar ali quietos e calados senão na próxima legislatura vão embora e portanto isto é uma democracia aparente.
[MFP] - Advoga portanto uma alteração do sistema eleitoral?
[MC] - Com certeza porque estes deputados não servem para nada.
[MFP] - Não servem para nada?
[MC] - Não, é para aqueles espectáculos que vocês têm que transmitir e para entreter o pessoal, porque eles não podem veicular as suas próprias opiniões porque elas não são o produto do eleitor.

[MFP] - Henrique Medina Carreira, 77 anos, é licenciado em ciências pedagógicas, é advogado, é bacharel em engenharia Mecânica, ainda passou por económicas. Bom, a crise está instalada, Sr. Dr. já foi ministro das finanças, se fosse ministro das finanças hoje que conselhos é que dava ao seu primeiro-ministro Sócrates?
[MC] – (pausa)
[MFP] – Nunca seria ministro das finanças de Sócrates?
[MC] – Não, não, porque ele é um primeiro-ministro para o espectáculo ainda não percebeu o país em que está, portanto eu não tinha compatibilidade possível com o José Sócrates. Ele quer fingir que isto anda, e o ministro das finanças não pode aceitar fingimento. Portanto nunca poderia ser ministro dele. Aliás o Prof. Campos e Cunha… um dia devia saber-se porque é que ele saiu. Ele chegou lá e ao fim de três meses percebeu o que é (???)... O Dr. Teixeira dos santos tem feito um bom trabalho nos limites do possível.
[MFP] – Então, que conselhos é que dava ao actual ministros das finanças?
[MC] – Eu a este como aos outros que têm passado por lá e que porventura sejam meus amigos dou-lhes sempre o mesmo conselho que é irem à televisão, virem aqui a vocês, com um quadro preto atrás explicar o que é o país. Isto. crescemos 2,4 em 27 anos em 17 deles crescemos 0,9…
[MFP] – …sim mas, e depois?...
[MC] - portanto há que arrumar a casa, aqui temos dois sectores a considerar, o estado e a sociedade. O estado tem que fazer o que é próprio de si. Tem que arrumar a casa tem que por tudo em ordem para que a sociedade tenha condições para voltar ao seu rumo. E o estado não o faz, e não o faz por uma razão simples, é que os partidos entram para o governo, primeiro não sabem o que vão para lá fazer, estão 6 meses a tentar perceber onde está a realidade, a partir de seis meses começam a fazer coisas, mas a um ano e tal das eleições têm que parar para começar a preparar as eleições, portanto nunca há tempo para ir longe em coisa nenhuma.
[MFP] – Sendo assim, isto não tem nenhum remédio.
[MC] – Ah não tem! com este sistema democrático nós vamos ficar pobres. A minha dúvida não é isso, nós vamos ficar pobres. Agora, até há cerca de um ano eu pensava, vamos ficar pobres, e quietinhos aqui encolhidinhos e tal a ver o bom sol e a boa sardinha. Agora eu estou convencido que vamos ter perturbações sociais muito grandes. Porque à pobreza estão a juntar-se sinais de uma grande imoralidade na vida pública. A corrupção, não há corruptos. As obras custam quatro vezes mais, ninguém vai averiguar porque custam quatro vezes mais. Andamos entretidos com o “Apito Dourado” e a Fátima Felgueiras e o pais, bom, este caso dos gestores que ganham fortunas e depois são tão bons ou tão maus como qualquer outro fosse gestor e portanto, este pais está a sentir que vive num ambiente de grande imoralidade e de grande desequilíbrio e portanto a pobreza não vai ser bem aceite.
[MFP] – Medina Carreira, as medidas que ontem o ministro das finanças apresentou, mais regulação nos mercados, as penas de prisão para os gestores resolvem algumas coisas?
[MC] – Eu não sei quais são as medidas. A única coisa que eu posso questionar é a oportunidade. É um sistema do governo… quer dizer, ainda não sabe bem bem o que é que aconteceu e já o governo está a legislar. Isto era uma coisa para daqui a uns meses ver o que se passou na realidade, viver da experiência da vida dos acontecimentos e depois legislar. Mas legislar em Portugal também é uma fantasia porque legisla-se mas nunca acontece nada, nunca acontece nadam a gente nunca vê ninguém a ser apanhado…
[MFP] – …mas dada esta situação ao governo português para proteger o mercado interno, se bem que hoje [com] as fronteiras isso seja muito relativo, não havia nada a fazer? Não há nada a fazer?
[MC] – Não. Para proteger o mercado interno não. Nós não temos orçamento, nós não temos moeda, nós não temos alfândegas, nós não temos câmbios, nós não temos nada….
[MFP] - …o mercado financeiro interno…
[MC] – …o nosso problema não é o mercado financeiro interno. Porque nós por azar não temos dinheiro para andar a comprar aquele lixo que os americanos emitem…
[MFP] – …os produtos tóxicos…
[MC] – …esse lixo americano e portanto felizmente como não tínhamos dinheiro porque se terá comprado do lixo se é que se comprou alguma coisa.
[MFP] – Dr. Medina Carreira, é capaz de explicar porque é que aconteceu isto ao dinheiro do mundo?
[MC] – Parece que, pelo que se sabe, porque ainda não se sabe tudo e se calhar nem se sabe muito, os americanos, num ambiente de especulação e facilidade, começaram a emitir papel que não tinha consistência para quem era dono do papel. Esse papel porque era americano foi comprado pelo mundo…
[MFP] – …quando diz papel diz acções …
[MC] – …esses produtos, chamam-lhe produtos financeiros as pessoas que sabem disso…
[MFP] – …pois, mas o ideal era que nos conseguíssemos explicar aos nossos ouvintes o que é isso…
[MC] – …mas eu também não sei o que é. Sei que são coisas que eles inventam e que dão dinheiro no imediato mas dão um dinheiro que não assenta numa economia consistente. E o mundo tem que aplicar os seus capitais, e os países que tinham capitais foram comprando esse papel, esse lixo…
[MFP] – …como Portugal não tem dinheiro não o comprou. Por isso não é afectado?
[MC] – Bom, provavelmente se tivéssemos dinheiro se calhar não estávamos tão satisfeitos. Portanto eu não estou com problemas no mundo financeiro português. Eu estou com medo é de outra coisa, porque essa é certa, é que a economia vai-se ressentir por causa das perturbações financeiras…
[MFP] – …e isso significa o quê…
[MC] – …desemprego, falências…
[MFP] – …mais desemprego?...
[MC] – …sim, sim, é natural, em França o desemprego está a galopar, em Espanha ouvi ontem que é a maior taxa de desemprego dos últimos onze anos e isso é que vai acontecer. É mais desemprego a perda do poder de compra, fecha de algumas empresas e esse é que é o problema desta crise, porque esta crise, parece-me, do ponto de vista financeiro não vai ter consequências muito gravosas para Portugal.
[MFP] – Ontem o FMI já veio admitir que os EUA podem entrar em recessão. Hoje a França já o admite claramente se bem que o presidente do BCE Jean-Claude Trichet venha falar em abrandamento económico. A Espanha está como está, com a crise do imobiliário, e isto para Portugal como é que vai chegar? Além disto como é que isso vai chegar?
[MC] – Vai chegar de 2 maneiras. Do ponto de vista financeiro, como você sabe nós todos os dias importamos dinheiro. Porque nós andamos a viver de empréstimos. Nós, se houvesse um DECO internacional Portugal já lá estava a pedir conselhos. E já lá estavam as pessoas da DECO internacional a dizer o senhor não respeitou a taxa de esforço que é o que se esta a passar…
[MFP] – …essa DECO internacional não pode ser um pouco a União Europeia?
[MC] – Não. Não há assim nenhum órgão na União Europeia que dê para isso. A União Europeia preocupa-se com a questão do PEC e do orçamento mas ainda não criou instituições. Nós é que teríamos de criar uma forma de vida que não andássemos todos os anos, 10%, 8%, 7% acima do ponto que valemos. Nos estamos a valer cem e a gastar 107, 108, 109 e esse 7, 8 e 9, em boa parte, são cobertos por empréstimos e portanto nos estamos a endividar-nos dia a dia.
[MFP] – Concorda ou acha que faz sentido declarações como o do ministro Manuel Pinho a dizer que o mundo da prosperidade tal como o conhecemos acabo e que segue a um discurso do primeiro-ministro a dizer que as poupanças dos portugueses estão seguras que as entidade de supervisão estão atentas… que é preciso ter calma.
[MC] – Aí há 2 faces do problema. O primeiro-ministro está a falar da finança. Esteja quietos os bancos não estão mal…
[MFP] – …mas foi boa essa intervenção?...
[MC] – …foi, ele que fala todos os dias e devia estar calado a maior parte das vezes esta vez apareceu com oportunidade. A maior parte das vezes aparece sem oportunidade a entregar ai lixo…
[MFP] – …lixo?...
[MC] – …lixo… esses computadores…
[MFP] – …mas isso é lixo…
[MC] - oh… kits… mas você acha que é função do governo andar a entregar kits e lixo? Acha que sim? Acha que o país escolhe governantes e paga a governantes para andar a fazer de caixeiros-viajantes? Que é o que os ministros andam a fazer. A semana passada um foi para Moçambique por causa do diploma. Você acha que isto é alguma coisa de gente com juízo… bom não me responda claro… portanto nesse dia ele esteve bem. O ministro da economia falou de uma coisa diferente mas ele falou no meu ponto de vista erradamente porque ele veio dizer o tempo da prosperidade económica… um falou de finanças o outro falou de economia… e portanto disse o tempo da prosperidade económica acabou mas aquilo é um truque dele porque o tempo da prosperidade económica em Portugal já acabou há muitos anos. Estes 27 anos já são tempo de declínio económico para Portugal. Ele está é a preparar o pessoal para 2009.
[MFP]- Para as eleições..
[MC] – …exacto. Ele está a dizer, bom, vocês não pensem muito mal disto porque isto…
[MFP] – …ainda vai ficar muito pior?...
Mv – …vai ficar pior mas estão muitos piores. Nos somos uns piores de vários piores. Por conseguinte aquilo é um truque eleitoral que não corresponde a nada. Porque a prosperidade já acabou há muito tempo. Portanto é inoportuno e não é exacto.
[MFP]- Portanto o Sr. Dr. não concorda com a líder do PSD, Dra. Manuela Ferreira Leite quando veio dizer que o governo português estava a actuar tarde, que chegaram tarde as palavras do primeiro-ministro…
[MC] – …não, as palavras do primeiro-ministro…
[MFP] – …de conforto aos mercados…
[MC] – …é esta conversa política que eu detesto, mas o que ela quis dizer foi num discurso que ele fez para ai algures atacou a bolsa, e ela o que veio dizer foi isso não se pode dizer uma pessoa responsável porque isto desarticula completamente um sistema institucional, portanto, isto não é conversa para um primeiro-ministro, no fundo suponho que foi isto que ela quis dizer. E eu estou de acordo….
[MFP] – …mas não foi isso que ela disse…
[MC] – foi o que ela quis dizer. O significado dela foi esse. Foi vir aqui pintar de negro uma instituição que é fundamental que funcione.
[MFP] – Dr. Medina carreira não acha que em Portugal pode acontecer como já aconteceu nos EUA e em bancos europeus (ouvimos quase todos os dias) que seja necessário nacionalizar bancos e injectar dinheiro no sistema?
[MC] – Não, não creio que isso aconteça. Isso só acontecerá se nessa procura diária que os bancos fazem de dinheiro lá de fora isso começar a ser muito difícil. Porque o dinheiro lá de fora vai ser menos e vai ser mais caro, porque ele está a rarear. E como nós dependemos muito do dinheiro de fora, o que vai acontecer é que nos vão emprestar cada vez menos e cada vez mais caro.
[MFP] – Faz algum sentido para si esta ideia de privatizar a CGD como alguns defendem?
[MC] – Para mim não faz, se a CGD obedecer a uma política de apoio económico.
[MFP] – E obedece ou não obedece?
[MC] – Eu tenho impressão que não. A CGD empresta dinheiro para comprar acções para especular na bolsa…
[MFP] – …então sendo assim faz sentido privatizar…
[MC] – …sendo assim faz… quer dizer é indiferente. Se a CGD for igual ao BCP ou ao milénio…
[MFP] – …mas acha que é?...
[MC] – …eu acho que é mas não deveria ser…
[MFP] – …mas então assim não percebo. Privatize-se ou não se privatize?
[MC] – Se ela for o que é não vale a pena estar no estado. Mas eu sou partidário que ela esteja no estado mas que seja outra coisa. Que obedeça a uma politica económica do governo. Porque se a caixa é igual ao BCP ou BPI então fica para ai mais um BCP ou BPI.
[MFP] – Esta manhã fomos surpreendidos com a reunião do governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio com os banqueiros. Uma reunião que teve com vários banqueiros e que vai ter agora um a um. Não se sabe muito do que se passou lá. O que é que imagina que se tenha dito por lá, ou o que é que espera que o governador de um banco central português diga aos banqueiros portugueses.
[MC] – Está a fazer uma pergunta bastante difícil porque eu nunca estive no banco de Portugal nem nunca fui banqueiro felizmente.
[MFP] – Mas foi ministro das finanças que é mais do que isso tudo.
[MC] – Não, eu fui ministro das finanças num tempo em que o estado era dono da banca…
[MFP] – …entre 76 e 78, com juros de 30%...
[MC] – …chegaram a 30% no tempo de Mário Soares e Ernâni Lopes. Eu penso que ele está a combinar a estratégia de angariação de dinheiros…
[MFP] - …e que estratégia é que pode ser essa…
[MC] – bom, eles é que sabem, porque o Vítor Constâncio e os chefes dos bancos sabem muito bem que é lá fora que eles têm que ir buscar dinheiro e este é o grande problema. Quando agora se fala destas obras… A Dra. Manuela Ferreira Leite não foi completa quando disse não há dinheiro e vocês caíram todos em cima dela. Ela devia ter dito uma coisa mais do que isso. Não há cá dinheiro dentro nem há dinheiro lá fora para estar a fazer disparates porque como nos temos que pedir dinheiro para fazer essas obras tontas é evidente….
[MFP] – …essas obras tontas…
[MC] – …sim, a maior parte delas são tontas…
[MFP] – …quais é que não são tontas…
[MC]- …bem, eu não conheço a lista, eu por exemplo acho que não são tontas as barragens, acho que não são tontas os investimentos nas energias renováveis, agora fazer estradas por ai fora? Fazer auto-estradas, um país pobre, paupérrimo onde não se produz nada no interior…
[MFP] – …mas a auto-estrada de Trás-os-Montes…
[MC] – …mas para quê uma auto-estrada. >Trás-os-montes não viveria bem com uma boa estrada. Trás-os-Montes viveu com caminhos de cabra até agora e de repente salta de caminhos de cabra para uma auto-estrada. Acha que isto num país pobre é alguma coisa que faça senso? Olhe os países escandinavos que as pessoas andam sempre a louvar, eles tornaram-se ricos sem isto. Isto é típico dos países pobres, este novo-riquismo e uma gestão completamente irresponsável do dinheiro público. Essa lista que eu não conheço, que o governo devia pô-la, cá fora, não é dizer, vão a internet, eles em vez de andar a distribuir computadores, eles deviam discutir isso. Mas não… vão à internet que estão lá os estudos…
[MFP] – …e em relação ao novo aeroporto e TGV.
[MC] – O novo aeroporto, eu sou da opinião há muito tempo que nós deveríamos explorar a portela o mais possível por mais de uma razão, primeiro pelo custo, segundo porque é muito importante um aeroporto no sítio em que aquele está, terceiro porque a aviação com esta mudança da disponibilidade dos combustíveis é uma coisa que tem um grande ponto de interrogação a frente. Ninguém com um fundamento sério pode dizer daqui a 15 anos a aviação vai ser isto ou aquilo ou aqueloutro. Pode ser muito mais, pode ser muito menos.
[MFP] – Por causa do preço dos combustíveis
[MC] – a Alitalia estava falida…. Alguém pegou naquilo. Estas companhias de low-cost, enfim vivem com grandes dificuldades. A TAP ao que creio esta com grandes dificuldade. Portanto estar a fazer um aeroporto a contar com um tipo de vida do petróleo barato eu acho que é uma coisa completamente fora da esquadria como se diz.
[MFP] – Pois, ainda esta semana, Campos e Cunha, o primeiro ministro das finanças de Sócrates veio dizer que era uma boa altura para deixar cair esses grandes projectos.
[MC] – Com certeza, qualquer pessoa com juízo pensa isso. E se não é para deixar cair é pelo menos para discutir consistentemente tudo aquilo que está na lista. Não é dizer, vão agora a internet… patetice.
[MFP] – Ontem o Sr. Trichet, presidente do BCE, veio dizer que a inflação ainda é muito preocupante mas manteve a taxa de juro nos 4,25, fala-se numa descida da taxa de juro para Novembro, o que eu lhe pergunto é se acha que o mandato do BCE deve ser mantido tal e qual como está, ou seja com o enfoque na inflação e não no crescimento económico como a Fed.
[MC] – Eu acho que deve ser mantido como está.
[MFP] – E devem aumentar as taxa de juro, manter ou baixar.
[MC] – Eu acho que não é muito relevante…
[MFP] – …não é muito relevante?...
[MC] – …não é não. A taxa verdadeira, aquela a que os bancos andam a cobrar uns aos outros e ao publico esta muito acima da taxa…
[MFP] – …está, de facto não é 4,25 está agora nos 5,27…
[MC] – …ele desce 0,25 e o mercado…
[MFP] – …não desce também?
[MC] – …ele não é obrigado, porque o mercado não esta a pensar no Sr. Trichet. O mercado está é a pensar nos riscos de emprestar dinheiro e por isso cobre mais caro por taxa de risco…
[MFP] – …ou seja se o BCE baixara taxa de juro isso não significa que a Euribor desça…
[MC] – não é certo. Isto é tudo obra dos políticos, arranjaram uma instituição independente e disseram, vocês agora o que tem que fazer é tratar dos preços. Agora como isto já não lhes convém andam sempre a mandar recados ao Sr. Trichet. Se não querem aquela politica alteram o estatuto, tiram o Trichet e põe lá outro que faça a politica que querem, não podem é encarregar uma entidade de prosseguir um determinado objectivo e depois querer que ele faça outro.
[MFP] – Portanto, para si, o mandato do BCE deve estar como esta?
[MC] – Com certeza.
[MFP] – O que espera desta mini-cimeira dos mais ricos que o Sr. Sarkozy está a promover? Acha que a França e a Alemanha se vão por de acordo com o apelo que Durão Barroso já fez?
[MC] – Eu acho difícil porque os alemães são muito cuidadosos…
[MFP] – …os alemães não querem injectar dinheiro na economia…
[MC] – …os alemães não querem entrar numa coisa qualquer em que depois tenham que dar dinheiro aos outros. Eles já estão fartos de ser explorados e portanto a Sra. Merkel não quer entrar …
[MFP] – …mas Sr. Dr. a Europa consegue resistir com estes bancos todos a falir…
[MC] – …a Europa quer um saco de onde venha dinheiro. De onde é que vem o dinheiro, é da Alemanha que é quem tem e a Alemanha fica lá a ver passar os navios. Eu penso que é isso que leva a Sra. Merkel a colocar muitas reticências. À França convirá, a Portugal era um maná…
[MFP] – …nos EUA é exactamente a mesma coisa. Também se quer um saco de dinheiro. O plano Paulson que vai ser votado hoje na câmara dos representantes foi aprovado pelo senado…
[MC] – …mas os EUA são uma realidade, a Europa é outra coisa completamente diferente. A Europa é um fragmento de interesses, de nacionalidades, de estados e por conseguinte andam uns a puxar para si o que é dado pelos outros e por conseguinte aquilo que se faz nos EUA não é necessariamente aquilo que se faz na Europa.
[MFP] – Acha que Sarkozy está a copiar um [plano] Paulson para europeu?
[MC] – Sabe que o Sarkozy que me impressionou bastante bem na campanha eleitoral, eu acho que ele também já entrou na política do espectáculo e da conversa. Quando acontece qualquer coisa ele desata logo a correr para aqui, para ali, para acolá. Eu duvido muito dos homens de estado que têm este espírito de caixeiros-viajantes.
[MFP] – Portanto nós não temos horizonte…
[MC] – …nós não arriscamos! Repare, a minha posição na política é esta. Do ponto de vista internacional nós somos igual a zero ou menos que zero. Ou seja tudo o que aconteça vem cá parar e a gente pode encolher-se mais ou encolher-se menos. Por conseguinte o que nós devemos discutir são os problemas portugueses, porque esta crise vai passar, ninguém sabe [se demora] seis meses, um ano. A crise de 29 em queda livre durou 3 anos de 29 a 32…

[MFP] – …o Sr. Trichet disse ontem que esta a pior crise desde a segunda guerra mundial, que é mais tarde…
[MC] – …portanto isto é uma crise que pode durar seis meses, um ano, dois anos, três anos. Mas esta crise vai passar, o capitalismo vai reencontrar-se, ao contrário de algumas discussões um bocado tolas que circulam por aí, não há uma alternativa ao capitalismo, à economia de mercado…
[MFP] - …mas quando se nacionaliza nos EUA, isto é um capitalismo… há quem chame de capitalismo de estado…
[MC] – …mas isso é uma aldrabice ideológica porque os americanos não nacionalizam pela mesma razão que outros querem nacionalizar. O PC gostaria de nacionalizar por uma razão ideológica, era para acabar com o capitalismo. Os americanos querem nacionalizar para defender o nacionalismo. São coisas diametralmente opostas. Isto são discussões, digamos, ao nível da confeitaria…
[MFP] – …como o Sr. Blair dizia, não vale a pena distinguir direita e esquerda…
[MC] – …não é isso… é que as razões de nacionalizam são diferentes. Se é a extrema-esquerda que é o Dr. Louçã ou o Sr. Jerónimo de Sousa que quer nacionalizar é porque querem destruir o capitalismo, são coisas diferentes.
[MFP] – Por exemplo uma das coisas que o BE propôs esta semana foi rever, e estamos a 15 dias da aprovação do orçamento, foi que Portugal renegoceie o plano de estabilidade e crescimento que temos em Bruxelas, acha que é uma boa ideia?
[MC] – ouça… eu rio-me dessas coisas…
[MFP] – …porquê?...
[MC] – …porque se nós aumentarmos o défice, suponhamos que diziam, em vez de 3 pode subir, de onde é que vinha o dinheiro para isso?
[MFP] – Sim, mas é sustentável do ponto de vista social manter o défice?
[MC] – Nós temos que acabar por viver com o que temos. Nenhuma família, nenhum país vive dez, vinte anos a pedir dinheiro emprestado, por conseguinte, nós temos é que perceber a realidade e é por isso que a politica dos políticos a sério que a gente já quase não tem…
[MFP] – …quais são os políticos a serio que temos?...
[MC] – …bom, não vou dizer porque isso feria amigos…
[MFP] – …é que senão a gente não se entende…
[MC] – …entendemos, entendemos, o que você quer é arranjar aí um escândalo…
[MFP] – …não, não quero, ora essa…
[MC] – …você quer é escândalo. No governo quase todos não são a sério…
[MFP] – …no governo quase todos não são a sério?! Já viu o que está a dizer?...
[MC] – …sim, sim…
[MFP] – …eu sei que é responsável pelas suas afirmações…
[MC] – …sim, sim, mas eu não os levo a serio, você julga que eu ouço o que andam ai a dizer…
[MFP] – …mas então quem leva a serio? Já que não diz quem…
[MC] – Luís Amado, Teixeira dos Santos, mais quem… educação não, ambiente não, agricultura…
[MFP] – …[educação] já não porque dantes gostava muito da ministra da educação…
[MC] – …exacto quando pareceu que a ministra vinha para por ordem na casa, mas ela descarrilou completamente ao fim de…
[MFP] – … Vieira da Silva não?...
[MC] – …Vieira da Silva sim, mas… Vieira da Silva é um dos culpados de reformas não terem sido feitas à dez anos, quer dizer não pode ser ministro…
[MFP] – …no governo de Guterres?
[MC] – …sim, nessa altura já…
[MFP] – …nessa altura não era ministro, era secretário de estado…
[MC] – …bem, mas era um dos que dizia “não, reforma não, isto está tudo óptimo”, e por conseguinte aquilo que a comissão do livro branco percebeu, ele percebeu dez anos depois…
[MFP] – …comissão em que você integrou…
[MC] – …sim, quer dizer, não pode ser ministro um homem que percebe dez anos depois, a gente precisa de ministros que percebam dez anos antes…
[MFP] – …mas isso é ter razão antes de tempo e em política isso nem sempre é bom…
[MC] – …não é ter razão antes de tempo é ter cabeça antes de tempo que é uma coisa diferente. Por conseguinte, ministros com dez anos de atraso não servem…
[MFP] – …só me diz gente de jeito no partido socialista, já agora não quer alargar um pouco…
[MC] – …no partido socialista?...
[MFP] – …no governo socialista…
[MC] – …não sei, eu tenho alguma dificuldade…. Não ouço assim praticamente mais ninguém…
[MFP] – …lembro-me que anteriormente já elogiou [Jaime] Gama, António Costa…
[MC] – …mas o Gama está fora de combate…
[MFP] – …é o presidente da Assembleia da República, a segunda figura de estado…
[MC] – …você que vai há assembleia da república, você acha que realmente aquilo é alguma função tão atraente, estar ali a dirigir aqueles duzentos sujeitos…
[MFP] – …230…
[MC] – …o Gama já está fora de combate…. Quem é que você queria mais….
[MFP] – …não eu não queria ninguém…
[MC] – …mas você dissse outro nome..
[MFP] – …era António Costa…
[MC] - …o António Costa está na câmara, está lá a gerir as dívidas…
[MFP] – …sim, mas só há gente no seu antigo partido…. Não tem saudades do PS pois não?
[MC] – …não, eu estaria num partido político se fosse uma coisa para levar a sério, mas aquilo não é para levar a sério. Você sabe que a política é feita agora por pessoas que têm que pensar duas vezes no que dizem sob risco de na próxima legislatura estarem desempregados, não pode ser um partido político a sério. Um partido político têm que ser homens livres que dizem aquilo que pensam, onde querem dizer, e à hora que querem dizer, e estes partidos não são assim. Os representantes da América, eles votaram contra porque eles são eleitos…
[MFP] – …porque estamos em vésperas de eleições… ou não…
[MC] – …imagine que aqui se punha um problema parecido com a câmara dos representantes dos EUA, estava garantida a votação a favor. O Alberto Martins dizia, isto é a disciplina de voto. O [Manuel] Alegre dizia “ah, isto é um disparate político mas tem que se disciplinar” e deixamos aí um rapazito da juventude fazer o que quer. Bom, mas isto é uma democracia? Isto é uma brincadeira. Isto não é muito diferente da Assembleia Nacional de Salazar. Eles também lá iam dizer aquilo que o patrão mandava dizer. Você acha que isto é democracia? Isto é um arremedo, um arremedo. Mas deve dizer-se, os portugueses devem saber o que somos, nós estamos a caminhar para bater na parede, um país que vive de empréstimos vai chegar a um ponto em que não há dinheiro para sustentar…
[MFP] – Dr. Medina Carreira, já agora pergunto-lhe, se votasse nos EUA votaria Obama ou McCain?
[MC] – Obama
[MFP] - Não gosta da Sra. Pallin ou não gosta de McCain?
[MC] – Não, McCcain não sei quem é mas parece um homem com juízo e experiencia, mas esta senhora que ele levou lá é um terror. Esta senhora se um dia chega a presidente dos EUA é altura para começarmos a rezar…
[MFP] – …não estamos já a rezar com Bush?
[MC] – Está bem mas esse vai se embora. Eu acho que Obama é a única pessoa que vale a pena.
[MFP] – Estamos a 15 dias do orçamento. Qual é que seria o seu orçamento, Sr. antigo ministro das finanças?
[MC] – Em que sentido?
[MFP] – Qual é que seriam as suas propostas para o orçamento, o que é que o governo deveria apresentar para 2009. Um orçamento de ano eleitoral com 3 eleições.
[MC] – Eu acho que o governo tem que apresentar um orçamento coerente com o que tem feito até agora.
[MFP] – E isso quer dizer o quê?
[MC] – Isto quer dizer continuar a apertar, porque se não apertar, temos mais défice, se tivermos mais défice temos que ir pedir dinheiro lá fora, isto é o que ele não perceberam ainda. Sabe que uma grande parte da classe política julga que o défice é um número que se põe num livro da contabilidade, e é. Mas o défice não é importante, o défice não é isso, é que o défice tem que se cobrir com dinheiro emprestado. Há 2 maneiras de corrigir o défice, ou vende cacos, que foi a política da Dra. Manuela Ferreira Leite, andou para aí a vender os cacos que a gente tinha, ou aumenta impostos…
[MFP] – …vender cacos, traduzindo, é receita extraordinária…
[MC] – …vender terrenos, os quartéis, …
[MFP] – …receitas extraordinárias…
[MC] – …mas o que nós temos [actualmente] também são receitas extraordinárias, é uma carga fiscal que não é suportável. Portanto, nós temos uma parte da carga fiscal que é uma receita extraordinária que vamos ter que diminuir…
[MFP] – …vamos ter que diminuir a carga fiscal?
[MC]- …sim, sim porque não é comportável…
[MFP] – …então esta seria uma proposta para este orçamento..
[MC] – …não, agora não. Vamos ter que diminuir…
[MFP] – …mas vamos quando?...
[MC] – …quando os números apontarem para essa possibilidade…
[MFP] – …e quando é que isso acontece?
[MC] – …até agora não vi ainda possibilidades no calendário…
[MFP] – …portanto este orçamento não pode ter baixa de impostos…
[MC] – …eu acho que não. Eu não subscreveria se fosse ministro.
[MFP] – E quais eram as suas apostas se fosse ministro?
[MC] – Não há apostas nenhumas. As minhas apostas não estão aí. Aí tem que ser uma política de rigor. E acho que o ministro das finanças comunga desta ideia, e também me parece que o primeiro-ministro, enfim, se ele não anda a simular… agora, o problema de Portugal não é esse. Esse é um dado que a gente tem que aceitar, com Manuela Ferreira Leite, Teixeira dos Santos ou Campos e Cunha. O que nós temos é de atacar os grandes problemas que não interessa atacar que são aqueles que não dão votos. É o problema dos meninos (não sei se você é mãe) mas estes meninos vão para a escola para vadiar, não é para trabalhar não é para aprender, é para estar lá aos pontapés uns aos outros…
[MFP] – …você até disse uma vez que gostaria de ser ministro da educação durante 2 anos…
[MC]- …sim, dois anos só.
[MFP] – Deixe-me só perguntar, para acabarmos esta entrevista, há quem diga que esta crise é resultado absoluto da falência dos políticos e não da economia. Acha que é? Um défice de política?
[MC] – É difícil responder-lhe porque há uma parte que eu acho que é da responsabilidade dos políticos. Quer dizer esta degradação toda que a gente vê na Europa… a Europa também vale pouco do ponto de vista político porque são os políticos dos países que depois vão para Bruxelas. Se eles não servem nos países e depois vão para Bruxelas como é que nós podemos ter uma politica em Bruxelas que corresponda aos nossos desígnios?
[MFP] – Mas não é só uma pessoa que determina a política…
[MC] – …não mas são vários, porque o s vários países mandam para lá os que lhes convém, e aqueles que lhes convém provavelmente são os que não lhes interessa nos vários países, portanto o sistema político europeu está todo ele entregue à desqualificação. E portanto não há que esperar muito…
[MFP] - …mas isto não é só na Europa…
[MC]- … mas eu vivo na Europa.
[MFP] – Mas gostava de viver em Cabo Verde não é?
[MC] – Em Cabo Verde sim, é a terra dos meus sonhos, a terra dos meus pais…
[MFP] – …apesar de ter nascido na Guiné…
[MC] – …nascido na Guiné mas… a minha terra, olhe a minha terra é um país que comparo a Portugal. São os dois que estão em declínio permanente, eles já estão na droga nós estamos no endividamento.

Fonte: http://blog.osmeusapontamentos.com/?p=774

Notícia de Medina Carreira no Clube dos Pensadores

Encerrou, esta segunda-feira, o 7.º ciclo de debates do Clube dos Pensadores. Sessão contou com a presença do antigo ministro das Finanças, Medina Carreira.

Antes do debate, já as expectativas iam altas. Joaquim Jorge, fundador do Clube dos Pensadores, não escondia o entusiasmo em ter Medina Carreira, uma personalidade com tanta "categoria", na sessão de encerramento do 7.º ciclo de debates do grupo, realizada esta segunda-feira.

Na presença de dezenas de espectadores, o antigo ministro das Finanças, Henrique Medina Carreira, iniciou o debate no Hotel Holiday Inn, atendendo ao mote "As expectativas económicas de Portugal".

Apelidado de "co-fundador do PS", Medina Carreira, que integrou o I Governo Constitucional, começou a sua intervenção por constatar que Portugal não vive uma crise, mas antes várias. Desde uma crise moral, passando por uma crise social, até à depressão financeira. "A crise económica está para a democracia, como as guerras de África para o Estado Novo", afirma o fiscalista.

O ex-ministro não poupou criticas à política de Obras Públicas do Governo. Para o advogado, a criação de auto-estradas ou do TGV é algo supérfluo, comparável a "uma família pobre que se endivida para comprar uma Playstation" ou o Magalhães, instrumentos que "não servem para nada".

O grande problema, para o advogado, reside no facto de Portugal estar a combater a crise endividando-se ainda mais, num fenómeno que apelida de "tragédia nacional". Carreira mostrou-se preocupado com as futuras gerações e teme o aumento do "desemprego, das desigualdades e da insegurança".

"Não estamos a caminhar para o Nordeste da Europa mas sim para o Norte de África", declarou Medina Carreira, em alusão à adesão do país ao Euro. Acrescenta mesmo que entre os anos 30 e 40, época da grande crise económica, Portugal se encontrava "melhor do que hoje".

O advogado apresenta, no entanto, uma solução para esta "economia a gaguejar" - moderar as despesas públicas e criar condições para a atractividade económica.

Medina Carreira não se esquivou às perguntas da audiência, que durante mais de uma hora escutou a intervenção do ex-ministro das Finanças.. À questão "Os governos são maus pais?", o fiscalista respondeu espirituoso: "Não, são padrastos".
Rescaldo "verdadeiramente espectacular"

No fim do debate, Joaquim Jorge só tinha duas palavras para descrever o desempenho do antigo ministro das Finanças: "Verdadeiramente espectacular".

Em declarações ao JPN, Medina Carreira revelou que o país precisa de gente nova para governar porque "quem navega fora de época vai encalhar".

Apesar de considerar a Lei do Financiamento "um absurdo" e não querer apresentar comentários, ao longo da sessão Medina Carreira foi dando pistas que denunciam a sua opinião em relação a este assunto. "Há uma coisa que todos os partidos querem, que é dinheiro, e aí estão todos de acordo".


Fonte:

Audio de Medina Carreira no Clube dos Pensadores

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Transcrição da entrevista para o Correio da Manhã e Rádio Clube Português

Medina Carreira, antigo ministro das Finanças, afirma que a economia vai derrotar a democracia de 1976. José Sócrates, diz, é um homem de circo, de espectáculo.


Correio da Manhã/Rádio Clube – Porque é que dizem que o senhor é um pessimista tremendista quando fala da economia portuguesa?

Medina Carreira – Quando as pessoas se qualificam antes de discutir é sintoma de que não querem discutir. Eu nunca consegui um debate com um optimista. Já tenho sugerido.

ARF – E ninguém aceita?

- Pretextam isto ou aquilo, depois estão doentes, depois ficam doentes de uma perna e nunca um optimista quis vir publicamente fazer um debate. É um não argumento. Porque o argumento é dizer o que se pensa e porque é que se pensa e a parte contrária contradiz. Se eu digo que o senhor é um pessimista eu acabei com a conversa. O senhor é optimista, a mesma coisa. Se é isto que chega para esclarecer a opinião pública estamos conversados.

ARF – E as questões da economia não se podem discutir assim.

- Um dia disse a um colega vosso: o senhor não percebe que isso é uma burrice?

LC – Há uma grande distância entre o discurso de pessoas que estão de fora e o discurso de pessoas que estão por dentro. Entre qualquer membro do Governo e pessoas como o doutor Medina Carreira há uma distância enorme que as pessoas não compreendem.

- Mas convide um deles um dia a vir aqui, ficar desse lado e vamos ver as razões das diferenças.

ARF – O que nos dizem do Governo é que esta crise internacional chegou quando nós estávamos a caminhar muito bem. Até final de 2007 estávamos óptimos, ainda em 2008 estávamos bons, de repente aparece isto e não temos culpa nenhuma disto. É verdade?

- Bom, culpa efectivamente não temos. Isto nasceu lá fora e chegou aqui como chegou a todos os cantos do Mundo. Eu não atribuo culpas a ninguém. Esta crise é traumatizante, difícil e com efeitos dramáticos do ponto de vista social que todos os dias presenciamos com despedimentos em série. É uma coisa terrível que nunca tínhamos vivido, nós que ainda estamos vivos e eventualmente válidos. Mas esta é uma crise para a qual não contribuímos e de que nós nos livraremos só quando lá fora ela acabar. Quando a Alemanha, a França, a Inglaterra e os EUA resolverem o problema ele fica resolvido cá.

ARF – Fica resolvido?

- Ficamos é com os efeitos terríveis cá. Mas estes efeitos imediatos e directos da crise eles desaparecem cá quando desaparecerem lá fora.

LC – Qual é a diferença entre um país como Portugal e um país como a França ou a Alemanha a seguir à crise?

- A França é um país que caminha paralelamente connosco, também caminha muito mal. A Alemanha caminha bem, é um país economicamente poderoso, com gente preparada, uma sociedade organizada, em que se cumprem horas, em que se cumpre a palavra. É outra coisa. Isto cá para este lado é outra coisa. Portanto, quando a Alemanha sair da crise sairá necessariamente melhor do que a França. A França apresenta hoje problemas difíceis como os nossos. E um deles é o desequilíbrio externo. Os franceses estão a produzir muito menos do que aquilo que gastam. Estão também a endividar-se no exterior. A França está menos mal do que nós, mas também não está bem. Em Portugal temos a preocupação de olhar lá para fora e eu creio que a maior parte das pessoas que se preocupam com o exterior é porque não sabem dizer nada sobre o interior. Nós é que temos de resolver os problemas do interior.

ARF – Problemas que são muito antigos, não é verdade?

- São antigos. Aqui neste caso é que esta crise veio de fora e sairá quando se resolver lá fora. Entretanto ficam mazelas. Agora, quando ela acabar ficamos com o nosso problema, com a nossa crise. Porque a nossa crise já estava cá.

LC – Com os mesmos problemas que já tinha.

- Com os mesmos problemas que já tínhamos e ficamos pior. Nomeadamente ficamos com um desemprego muito maior, muito mais pobreza, muito mais desigualdades, muito mais desânimo na população. Por conseguinte, com a crise, para além destes danos imediatos, são danos que vão surgir através dos seus efeitos futuros. Mas aquilo que eram as nossas fraquezas já cá estavam e virão ao de cima.

LC – Como é que temos capacidade para resistir a isso no futuro com uma educação fraca, com uma justiça fraca?

- O problema aqui em Portugal, visto da perspectiva política, é que nós não sabemos o que é que os dirigentes políticos, como José Sócrates, do PS, pensam que é o nosso grande problema. Ainda não vi dito o nosso grande problema é este.

LC – Ele diz que é o desemprego.

- O desemprego não é um problema, é uma consequência de alguma coisa que não está bem. Se resolvermos alguma coisa que não está bem o desemprego desaparece.

ARF – José Sócrates fala muito da questão da formação.

- Mas a formação não é em si um problema. É um pressuposto daquilo que nós necessitamos para resolver o problema. Mas qual é o problema? O que derrotou o Estado Novo foi a guerra colonial. Aquilo que eu acho que vai derrotar esta democracia de 1976 é a economia.

ARF – A economia vai derrotar a democracia?

- Não sei em que termos.

ARF – Mas vai derrotá-la?

- Ai derrota. A população não vai aceitar daqui a dez anos um Estado social como aquele em que nós estamos a viver, como é evidente. Porque a população já diz, bom, prometeram-nos mundos e fundos e nós não vemos coisa nenhuma. Dizem isto agora. Só pedem sacrifícios e quando acabam é preciso recomeçar os sacrifícios. Com toda a razão. Isto vale dez, vale vinte anos, não sei se chega a trinta. E como nós temos deficiências graves não vai ser fácil sair deste estado de economia rastejante. Se eu fosse chefe do Governo o que diria ao País é que o nosso grande problema é a economia.

ARF – Porquê?

- Porque é da economia que deriva o emprego e a sua qualidade, que deriva o bem-estar, que deriva as boas expectativas, que deriva o optimismo são. É da economia.

ARF – Mas temos fraquezas porquê?

- Porque nós estamos a gastar 110, 111 e estamos a produzir 100. Para simplificar. O português está a produzir 100 euros por ano e está a gastar 110, 111 euros. Quer dizer que estamos a viver de empréstimos.

ARF – Estamos a viver acima das possibilidades.

- Acima das possibilidades. Por conseguinte, ou recuamos 10 por cento ou produzimos mais 10 por cento. É simples.

ARF – Exacto.

- Não é preciso saber altas matemáticas. Este é o estado do País.

LC – E pelo caminho em que vamos não é uma coisa nem outra?

- Estamos num caminho em que eram 107 há uns anos, 108, agora andamos pelos 110 e vai sendo cada vez pior, em princípio, porque os juros que nós devemos no exterior são cada vez maiores.

LC – No limite qual é a consequência?

- No limite a consequência é a mesma que é para mim ou para vocês se o banco não nos empresta dinheiro este mês. Ou se empresta só com um spread de 18 por cento.

ARF – Claro.

- O que é que o País vai fazer? Que é aquilo para que estamos a caminhar. É para bater na parede. Uma das coisas que pode provocar um efeito traumático muito grande do ponto de vista política e social na nossa sociedade dentro de cinco, dez anos é a possibilidade de o crédito escassear. Nós estamos a ver hoje que as grandes dificuldades da nossa sociedade resultam do facto de os bancos não emprestarem.

ARF – O crédito está caro e difícil.

- Exactamente. Se amanhã os bancos estrangeiros que nos estão a emprestar dinheiro disserem não, não emprestamos mais ou só emprestamos a 20 por cento o que é que nós fazemos?

LC – É uma boa pergunta. O que é que fazemos?

- O que é que fazemos. Bom. Temos de repente de passar de 110 para 80. Como é evidente.

ARF – De uma forma abrupta.

- De uma forma abrupta. Vamos ver. Qual é o problema da economia? Há uns políticos importantes em Portugal que quando se lhes faz contas ficam horrorizados, isso são os contabilistas, a gente só pensa no marxismo, no leninismo, nós pensamos alto. Fazer contas, não fazem, mesmo os que sabem tabuada, que aliás não são muitos.

LC – Como é que se consegue reduzir isso? Com uma reforma brutal na administração pública?

- Ouça, na Argentina reduziu-se. Pessoas a passar fome, não compram medicamentos, tudo a cair aos bocados.

LC – Imagine que era convidado a definir as prioridades do próximo Governo. Quais seriam as duas, três ou quatro das suas prioridades?

- A prioridade é esta. A primeira coisa é explicar ao País que nós temos uma economia que não vai sustentar este nível de vida.

LC – Que não chega.

- Não chega. Portanto, o eleitorado ou quer gastar 110 e produzir 110 e nesse caso temos de mudar de economia ou o eleitorado não quer mudar de economia e nós temos de passar de 110 para 100. Isso é uma escolha do votante. Se os senhores da Comunicação Social propiciarem conversas que esclareçam o eleitorado ele percebe.

LC – Qual seria a sua opção?

- Nós temos no imediato de reduzir. Eu sou partidário que logo no plano do Estado seja revisto o aspecto salarial e o aspecto dos benefícios fiscais. Eu acho que as reformas e os salários da Função Pública, a partir de um certo nível, devem ser diminuídos.

ARF – Imediatamente?

- No imediato. Para passarmos dos 111 para 108. Mas para que isto não seja uma solução no caminho da miséria nós temos de mudar. E mudar a economia é mudar as circunstâncias que permitam atrair investimentos.

ARF – O investimento estrangeiro não vem para cá neste estado de coisas?

- Não. Nós tivemos nos anos 60, 70 um factor de grande atracção de investimento. Foi a nossa entrada para a EFTA e o baixos salários. Como nós podíamos exportar com facilidade muita gente veio investir em Portugal. Muitas coisas que os senhores vêem das manufacturas, das montagens de automóveis, das cabelagens, dos electrodomésticos, do concentrado de tomate, da beterraba, isso veio tudo para aqui nessa altura. Porque o investidor nacional e estrangeiro vinham beneficiar de um factor favorável do ponto de vista do capital que era o salário baixo. Além de outros factores atraentes nessa época. Como a inexistência de sindicatos, ordem nas ruas e essas coisas que atraem o investidor.

LC – Mas o principal factor, os salários baixos, não era o ideal.

- Mas o ideal do ponto de vista da mão-de-obra não é este que se prega aqui. Nós para termos uma mão-de-obra que ganhe bem temos de ter outra escola. Nós não podemos andar a formar analfabetos e depois dizermos para arranjarem empregos bons a esta gente. A gente tem de ir à escola.

ARF – Aumentar a escolaridade obrigatória nestas condições é uma ideia má?

- Teoricamente é uma boa medida. Como mexer na Justiça também seria uma boa medida.

LC – Mas é preciso que a escola seja boa.

- Agora mexer na escola e ficar tudo na mesma não interessa. Se os alunos estiverem lá e são tão bons os bons como são bons os maus, quer dizer, anda lá um número grande a atrapalhar o trânsito, em nome de uma coisa esquisitíssima e que eu não aceito que é a escola inclusiva. Ora, a escola é inclusiva se as pessoas estão lá para aprender. Se não estão para aprender têm de ir para outro sítio. Um estádio de futebol, põe-se lá toda a gente aos pontapés na bola. Agora, na escola só pode estar quem queira aprender. Mas isso tem de ser aferido. Nós temos todos os anos de verificar se eles aprenderam.

ARF – Têm de ter exames, não é?

- Fazer exames. Nós temos de ter programas decentes, feitos por intelectuais, por artistas, por técnicos. Nem sei quem é que os fez. São uns programas horríveis, os manuais são de fugir. E depois inverte-se tudo. Nós não podemos ter professores a ensinar bem se os alunos nem os ouvem. O senhor pode arranjar 200 mil catedráticos que não consegue ensinar esta gente. Porque eles não querem aprender. Oitenta por cento dos que estão lá não querem aprender. Bons são sempre bons. Quando nós éramos crianças também havia bons e havia maus. E havia uns médios e estes estudavam por causa dos exames.

LC – Seriam a maioria.

- Isso foi ontem, é hoje e será na próxima geração. Agora não. Temos os bons que eram bons e temos o resto. E como não há exames nunca chega a ocasião para estudar. Portanto isto é uma falsificação. O ensino em Portugal é uma intrujice. Uma intrujice cara. E depois inverte-se isto. Vamos avaliar os professores, nem sei quais são os critérios. No estado em que aquilo está parece-me uma tontice, mas não se avaliam os alunos. Isto tem pés e cabeça? Isto é de uma sociedade de gente com juízo?

ARF – Esta nossa escola é uma certa escola, que dura há anos e anos.

- É uma escolinha. Não é uma escola, é uma escolinha. É um grupo de gente que está a praticar um crime gravíssimo que vai liquidar uma geração. Se não mais. Mas a próxima geração maioritariamente está liquidada. As pessoas não aprendem a língua. Nós pensamos em português. Se a gente não sabe bem português não pensa bem. Nós não sabemos fazer contas, nós não sabemos geografia. Se perguntarem a um rapazito qualquer onde é que é Washington não faz ideia nenhuma, é capaz de dizer que é na Ásia.

LC – Acha que a geração que vai estar no mercado de trabalho daqui a dez , vinte anos vai ser pior?

- Vai ser cada vez pior. Porque está a enraizar-se esta decadência do ensino. O ensino está numa decadência profunda.

LC – E algum dia foi melhor? Nestes últimos 30 anos?

- Para os que podiam andar na escola foi muito melhor. Andavam eram poucos. Mas o problema não é esse.

LC – Estamos a falar de quando?

- Do tempo em que eu estudei. No século passado. E da minha filha, que andou na escola pública.

LC – Antes do 25 de Abril.

- Sim, muito antes.

LC – A escola era melhor antes do 25 de Abril do que é agora?

- Incomparavelmente. A diferença é que eram poucos. Eram para aí 30 por cento menos do que hoje.

LC – E preferia que fossem poucos?

- Não, não prefiro que sejam poucos. Eu prefiro é autenticidade, porque isto é uma vigarice. É que os pais dos que lá estão têm de ter a certeza de que estão a aprender. Não é serem poucos ou muitos. Não interessa nada produzir quantidade que é lixo. Nada.

LC – Mas a quantidade á partida diminui sempre a qualidade. A massificação do ensino diminui a qualidade, não acha?

- Mas não é diminuir até zero. Nós estamos a bater no chão. É diminuir um pouco. Agora isto não é nada. Um aluno sai dali e não sabe escrever. Eu ensinei muitos anos e acabei por me irritar com o ensino. Dava-lhes provas escritas e era dificílimo de entender o que escreviam. Cheias de erros, linha sim, linha não um erro, expunham pessimamente, tudo aquilo era um ver se te avias.

LC – Acha que no Ministério da Educação não sabem isso?

- O Ministério da Educação, como os outros Ministérios neste nosso regime, está ali para parecer, para apresentar uma estatísticas lá forjadas não sei como. Para vocês nas sondagens descobrirem que este Governo é um Governo muito próspero.

LC – Cavaco Silva tem razão quando diz que não se deve governar para as estatísticas.

- Com certeza. Não se deve governar para as estatísticas. Deve governar-se em função de um objectivo e daquilo que é fundamental para o País. Porque nós andamos distraídos com tanta coisa e não percebemos que quando se fala de economia não estamos a falar de economia. Estamos a dizer desemprego, pobreza, desigualdades e riscos para o Estado social. Com esta economia que cresce 0,5 % ao ano dentro de dez anos as políticas sociais têm de ser completamente revistas. Não há dinheiro para manter estas políticas sociais.

LC – Até que ponto?

- Não sei. Só nessa altura é que se deve fazer a avaliação. Eu defendo há muito tempo que se faça um estudo. Não é sobre o financiamento da Saúde, não é sobre o financiamento da Educação e das pensões. É um estudo sobre o social, porque o social tem todo ele um valor muito importante. Educação é muito importante, Saúde é muito importante, pensões é muito importante, desemprego é muito importante, doença é muito importante. No social nós não discriminamos. O dinheiro que há é um e nós temos de saber quanto é que pomos no social. E depois, por critérios de opção política, é tanto para isto ou aquilo. Agora, não se fazem estas contas. Dizer-se está salva a Saúde. Bom, mas não se sabe das pensões. Ah, mas as pensões agora estão resolvidas. Isto não há rei nem roque. Porque este problema do social não é um problema do ministro das Finanças, nem da Saúde, nem da Segurança Social. Isto é um problema do chefe do Governo. Nós não tivemos ainda um chefe de Governo que percebesse minimamente este problema.

LC – Muito bem. O que temos em cima da mesa é um primeiro-ministro chamado José Sócrates, uma líder do PSD chamada Manuela Ferreira Leite e depois temos os outros partidos. Qual é a solução para sair desta situação que acaba de nos relatar?

- Eu acho que é muito difícil sair da situação porque os partidos estão gangrenados. Os partidos não trabalham em função de valores, de ideologias, de objectivos, de programas. Os partidos trabalham em função do assalto ao Orçamento. Porque o Orçamento dá para colocar os amigos, dá para fazer negócios.

LC – A solução está fora dos partidos?

- Não, a solução está dentro dos partidos. O problema é que os partidos não têm virtualidades para mudar. Porque eles tomaram os partidos de assalto e o PS e PSD têm tomado de assalto o Orçamento.

LC – Então não está dentro dos partidos.

- O que me pergunta é se há solução dentro dos partidos. Porque é dentro deles que têm de resolver. Se eles não percebem isso nós levamos um lindo enterro. Com estes partidos que nós temos, os principais, não vamos resolver os nossos problemas.

LC – Mas, apesar de tudo, a solução continua a estar dentro dos partidos? Passa pela reforma dos partidos?

- Eu defendo isso. Tem de se abrir os partidos. Porque hoje não atraem nenhuma pessoa inteligente, livre, que tenha futuro na vida. Não se mete num partido. Só se metem lá uns manhosos, porque aquilo é uma carreira. Entram lá pequeninos, depois estão lá mais uns tempos, depois são assessores, depois são guarda portões e depois são ministros.

LC – Mas a maioria das pessoas também não está disponível para os partidos.

- Não estão disponíveis porque acham que os partidos são uma chuchadeira. O senhor acha que alguém que tenha que fazer está para aturar um partido?

LC – Ou seja, não há solução. É o que me está a dizer.

- Não estou a dizer que não há solução. É preciso que os partidos o percebam. Eu estou a dizer é que os partidos devem perceber. Tal como o Estado Novo não percebeu que o problema colonial tinha de ser negociado, não em 1974 mas em 1958, estes também não estão a perceber nada.

LC – Já falou duas vezes no Estado Novo. Tenho de lhe perguntar se defende uma revolução idêntica à que houve há 35 anos?

- Não defendo revolução nenhuma. Eu receio é que estejamos a caminhar, não para uma revolução, mas para uma coisa pior do que uma revolução. Que é uma pobreza instalada com alguns ricaços.

LC – Com que consequências?

- Se o senhor for pobre diga-me se fica satisfeito. Vive mal, não tem automóvel, não vai à praia, come uma bucha de vez em quando.

ARF – Nenhum chefe de Governo percebeu isso?

- Destes quatro últimos nenhum percebeu o País em que estava.

ARF – Os últimos quatro?

- Sim. Guterres, Barroso, Santana, que esteve lá episodicamente, e este não perceberam o essencial do problema do País.

ARF – Não perceberam que vivem em Portugal?

- Não. Porque cada um tinha uma concepção. António Guterres era palavreado. A política de Guterres era saber quantos por cento do PIB iam para a Educação. O que se fazia com os tais por cento era indiferente. Este que está lá agora, o José Sócrates, é um homem de espectáculo, é um homem e circo. Desde a primeira hora. É gente de circo. Eles prezam o espectáculo. Porque eles não percebem que os problemas não se resolvem com espectáculo. E prezam o espectáculo porque querem enganar a sociedade, para sobreviver. E sobreviver para continuar a tomar conta do dinheiro do Estado, para pôr os amigos e negociar com os amigos.

ARF – Mas o tacho tem um fundo.

- Pois tem. Foi o que o Estado Novo não percebeu. Que aquilo tinha de acabar e estes se calhar vão perceber tarde demais que isto tem de acabar. Porque se nós continuarmos num nível de empobrecimento relativo isto não vai dar um bom resultado.

ARF – O que será um mau resultado?

- Não sei. Pode ser tudo. Pode ser uma zaragata na rua.

LC – Podem acontecer revoltas sociais?

- Pode ser um mal-estar instalado nas ruas, como é natural. Porque nós estamos a viver uma fase de empobrecimento natural com a crise internacional.

LC – E única na história do País ou não?

- Pelo menos há cem anos que isto não era tão mau. E o que vemos são as consequências de uma economia que não funciona. Desemprego, pobreza, desânimo, desigualdade. E aqui ao lado o que é que vê? Há dias vi a notícia de um homem que ia algemado porque tinha roubado duas galinhas. Agora eu pergunto: o que é que pensa uma sociedade que trata assim um homem que pilha duas galinhas e vê aí á solta, com a maior desfaçatez, tipos que pilharam aviários inteiros. O que é que pensam?

- Foi mandatário de Cavaco Silva em 2006. Como é vê as recentes divergências entre Belém e o primeiro-ministro José Sócrates?

- Eu acho que o Presidente da República foi longe demais no apreço pelo Governo. Quando era visível que o Governo andava a fingir que fazia respostas o Presidente da República disse que era um Governo reformista.

ARF – Era o tempo da cooperação estratégica.

- Eu nessa altura já via claramente que não eram reformas. Eram um arremedo de reformas que não conduziam a coisa nenhuma. Não conduziram, já estamos três anos depois.

LC – E o Presidente da República não percebeu isso?

- Não sei. Só estive com ele, desde que está em Belém duas vezes. Almocei duas vezes com ele e já há mais de um ano que não estou com ele. Não faço ideia do que pensa. Depois isto tudo se foi degradando, o PS foi tomando pulso às coisas e pensou que a cooperação estratégica era um silenciamento permanente do Presidente da República. E resolveu fazer provocações sobre os Açores, uma brincadeira para incomodar, como o aborto, o divórcio e essa trapalhada toda. O Presidente da República, que certamente não quer ser levado nesta enxurrada de desgraças e bem, acho que acordou e veio dizer cuidado. Veio dizer isto por causa de um problema que pode ser a nossa desgraça por muitos anos. O Presidente da República não diz com clareza. Eu digo com clareza. Se nós continuamos a fazer auto-estradas, terceiras pontes sobre o Tejo nós daqui a dez ou quinze anos temos um problema financeiro gravíssimo.

LC – Este é o assunto central que incomoda o Presidente da República?

- Não sei. Já não o vejo há dois anos.

ARF – É o assunto das grandes obras públicas.

- As obras públicas. Auto-estradas é evidente. Há auto-estradas sem ninguém.

ARF – Com pouco trânsito.

- Pouquíssimo trânsito. Nós, País pobre, não podemos dar-nos ao luxo de fazer isso. O BPI escrevia há pouco tempo o seguinte: se fizermos aquilo seremos o quinto ou sexto País do Mundo com maior densidade de auto-estradas e TGV. Vai tudo mais depressa para o Porto, Madrid e Paris. Mas o problema não é esse. Nós estamos cercados de endividamento e, por conseguinte, arranjar dinheiro lá fora vai ser cada vez mais difícil e cada vez mais caro. Eu já não discuto TGV...

ARF – Aeroporto.

- Nada. Este dinheiro, pouco e incerto, tem de ser gasto no essencial. E vamos discutir o que é essencial. É como uma família pobre que discute se vai poupar, gastar na alimentação ou ir para Cancun para a praia. O Governo está exactamente como esta família que escolhe ir para Cancun. É claro que deve ser bom ir para Cancun, não sei bem o que é. Mas deve ser bom. Mas esta gente não faria melhor ir para a Costa da Caparica ou para a Ericeira estimular a economia portuguesa? O Governo é esta família de Cancun.

LC – Acha que essa é a diferença essencial que distingue hoje o PS do PSD? A doutora Manuela Ferreira Leite também tem essa visão.

- Com certeza que tem. Qualquer pessoa com juízo tem. Não há nenhuma pessoa ponderada que não pense assim. Não sou eu. Manuela Ferreira Leite, Cavaco, toda a gente com juízo pensa isso, tirando José Sócrates e Mário Lino.

LC – Preferia ver Manuela Ferreira Leite à frente do Governo em vez de José Sócrates?

- Eu não preferia ver. A Manuela Ferreira Leite poder trazer à política uma coisa que é essencial, que é a seriedade.

ARF – E já agora a verdade.

- A verdade. Seriedade. Nós não temos seriedade na política. Isto é um espectáculo, uma aldrabice pegada. Manuela Ferreira Leite abre a boca e passado duas horas já estão duas pessoas a bater-lhe nas canelas. É o Santos Silva e o Pedro Silva Pereira. Eu nunca vi isso. Quando estive no Governo não tínhamos dois ministros para irem atacar os outros. O País está a ser gerido por medíocres.

LC – A doutora Manuela Ferreira Leite poderia mudar este estado de coisas?

- Não sei o que é que ela era capaz de fazer. Não sei se tem equipa para fazer.

ARF – Acha que este Governo está a fazer o que é preciso nesta crise. São medidas todos os dias, milhões para isto ou aquilo. Estão a fazer o que é correcto?

- Oiça, eu já estou enjoado de medidinhas. Já nem sei o que é que isso custa, nem sequer sei se estão a ser aplicadas. Ouvi agora que este 12 º ano era uma coisa que estava prometida há quatro anos.

ARF – É verdade.

- Não sei, não faço ideia. Se calhar há medidas que são para daqui a quatro anos. Eu não perco tempo com isso porque acho que aquilo tudo é uma tentativa de embebedar a sociedade e eu para bêbado não dou.

ARF – Agora vão dar medicamentos de borla às pessoas com pensões abaixo do salário mínimo. De onde vem tanto dinheiro?

- Repare. É uma pergunta legítima porque eu também não sei de onde vem o dinheiro. O que eu digo é que nesta emergência, para a protecção social, convém que a gente gaste algum dinheiro. Porque se não ficamos com a nossa sociedade em cacos. Para protecção social eu acho que temos de fazer um esforço, mesmo que provoque mais endividamento. O défice vai alargar-se muito, mas se for para isso eu absolvo o Governo. Não absolvo é fazer uma auto-estrada na costa, outra paralela à Lisboa-Porto, isso não absolvo.

ARF – Se estivesse à frente do Governo o que é que faria nesta crise?

- Olhe, tinha pedido a toda a oposição que designasse representantes para discutir os grandes problemas nacionais e as suas soluções.

ARF – Juntava toda a gente.

- Um de cada partido e algumas pessoas de grande qualidade e saber. E olhar para isto. Porque esta crise, que não é nossa, que veio de fora, é uma coisa muito traumatizante para a nossa sociedade. Mas o que eu vejo é toda a gente a degladiar-se, aos pontapés uns aos outros por causa das medidas da crise. Eu acho isto de uma grande mediocridade. Isto está entregue a medíocres.

LC – Mas aí o Presidente da República não poderia ter tido um papel mais activo?

- O Presidente da República não tem a ver com isso. Isto é um assunto de Governo, de acção, de execução. Outra coisa de que discordo do Presidente da República é que as coisas que tem dito, no 10 de Junho, no 25 de Abril e por aí adiante, eu escrevia aquilo tudo num papelinho e mandava para São Bento, para a Assembleia da República.

ARF – No estilo de mensagens aos deputados?

- Sim. O que eu acho que o Presidente da República tem de fazer e está a fazê-lo tardiamente na minha opinião é pôr os partidos perante a sua responsabilidade. Os partidos é que executam e que definem as políticas. O que tem de lhes dizer é que estão a trilhar um caminho muito arriscado e quando isto bater na parede é preciso saber quem é responsável.

LC – Temos o PS com maioria absoluta. Há o grande risco de sair uma maioria relativa das legislativas. É uma questão que o preocupa?

- É o senhor que diz que há um risco. Eu acho é que se sair uma maioria absoluta é que é arriscadíssimo. Eu não quero mais maiorias absolutas de um partido. Porque se o PS levar por diante estas obras resulta do facto de ter maioria absoluta.

LC – Mas com maioria relativa vai cair muito provavelmente um ou dois anos depois.

- Pois, temos que arranjar maneira de viver. Maioria absoluta com gente deste estilo nunca mais. Para mim nunca mais. Estas asneiras teimosas, absolutamente fora de senso comum, só são possíveis porque há maioria absoluta de um partido.

LC – Que solução é que imagina num cenário de maioria relativa? O regresso do Bloco Central?

- Eu como acho que os partidos que existem não estão em condições neste momento de resolver os problemas tanto faz. É uma caldeirada relativamente irrelevante. Os partidos têm de ter qualidade, têm de estudar, têm de ter pessoas que estudem.

ARF – Quanto tempo mais é que o País aguenta esta situação de crise que vive há muitos anos?

- O que lhe digo é que se nós tivermos mais dez anos desta economia, a crescer 0,5 em média por ano, não vamos aguentar as políticas sociais que temos. Vamos ter de rever reformas, salários à força, prestações várias, saúde, educação.

ARF – Os portugueses vão voltar de novo à emigração?

- Pode ser uma escapatória, que aliás está em curso. Não estará tão intensamente porque as coisas lá fora também não estão fáceis. Volta a ser. Angola passa a ser o novo Brasil. É uma escapatória. E ainda bem que há para algumas pessoas.

ARF – Falámos há pouco na EFTA. O que é que Portugal teria de fazer para atrair investimentos estrangeiros?

- Não é só estrangeiro. Investimento para produzir coisas que possamos exportar e que possam ser vendidas cá por serem competitivas. Uma economia que possa exportar e que substitua importações. Investimentos próprios para isso. Mas com o sistema educativo que gera analfabetos que não sabem fazer contas o senhor não arranja mão-de-obra. Se o senhor tiver uma burocracia infernal não investe. Ainda alguém me dizia há pouco tempo que tinha um PIN encravado há três anos. Com esta corrupção, com esta justiça que não ataca corruptos mas que condena pilha galinhas, não temos mercado de arrendamento, a lei fiscal não está bem e os tribunais fiscais não funcionam acham que alguém vem investir cá? Para arranjarem uma licença camarária têm de comprar o presidente da Câmara? Isto não é possível.

ARF – E o Código Laboral? Também afasta investimentos?

- Muitas pessoas queixam-se da relativa rigidez. Não é possível substituir e mudar. Mas não sou especialista, embora ache que é um assunto que deve ser discutido com seriedade.

LC – Agora tem-se discutido muito o enriquecimento ilícito e o fim do sigilo bancário. O que é acha desses diplomas?

- Nem quero perder tempo com isso. É tudo uma intrujice. Esse é um tema eleitoralista. Mas sabe uma coisa? Eu se tivesse num Governo que tivesse medo de tratar o enriquecimento ilícito eu não fazia parte desse Governo. Eu acho uma vergonha um Governo ter medo de criar o crime de enriquecimento ilícito. Tinha vergonha de vir à rua.


ARF – O argumento é de que num Estado de Direito não se pode inverter o ónus da prova. Concorda?

- Mas a nossa democracia permite que um tipo que rouba duas galinhas vai algemado. É preciso que se desfaça este nó de equívocos.

ARF – Maria José Morgado diz que enquanto o assunto estiver nas mãos dos deputados não há solução. É assim?

- Não é só na Assembleia da República. É no Governo também. É um problema político de todos os partidos. Isto não tem solução.

PERFIL

Henrique Medina Carreira nasceu em Bissau a 14 de Janeiro de 1931. Licenciado em Ciências Pedagógicas e em Direito, frequentou ainda o curso de Economia, que não concluiu. Secretário de Estado do Orçamento no VI Governo Provisório, foi ministro das Finanças entre 1976 e 1978, tendo negociado um empréstimo com o FMI nesse período.



Fonte: http://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?contentid=BD5B2BBF-A433-445E-AE89-BFC7E20DF6C6&channelid=00000229-0000-0000-0000-000000000229