terça-feira, 10 de março de 2009

Entrevista na SIC com Mário Crespo - 9 de Março de 2009

Entrevista na SIC no programa "Nós Por Cá" em Janeiro de 2009



Entrevista na TVI com Manuela Moura Guedes no Jornal Nacional

Entrevista na SIC Notícias com Gomes Ferreira no programa Negócios da Semana - 10 de Dezembro de 2008









Entrevista na SIC Notícias com Gomes Ferreira no programa Negócios da Semana - 3 de Julho de 2008





Entrevista na SIC Notícias com Mário Crespo no Jornal da Noite - 14 de Outubro de 2008





Entrevista na SIC com Gomes Ferreira





RTP1 - "Prós e Contras" de 26 de Maio de 2008


No fio da navalha


Medina Carreira, Público 25/10/2005
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Quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável.
Séneca.


1.A nossa crise aí está, cada vez mais complexa, mais demorada e mais perigosa. Tenderá a agravar-se enquanto os "optimistas profissionais" não entenderem que o mal não é o pessimismo, mas o atraso; não é a desconfiança, mas os embustes; não é a descrença, mas a incompetência; não são os défices, mas a inviabilidade de viver à custa alheia; não é a falta de desenvolvimento, mas o conservadorismo que o bloqueia; não são as ideias, mas as palavras; não são os males do mundo, mas a nossa incapacidade para vencer os próprios. As crises do Estado e da economia, entre todas, têm especial relevância e arriscada repercussão. Daremos um decisivo passo em frente quando os portugueses tomarem "consciência deste estado, porque as políticas só serão possíveis com consenso social". E que "é preciso dizer a verdade, não histórias", como sensatamente sublinha Andrea Canino (1).

2. A crise do nosso Estado é, antes de mais, política. Um regime quase parlamentar vale o que valerem os princípios e a prática dos principais partidos. Em Portugal, eles estão agora dominados por um clientelismo devorador que a tudo antepõe o objectivo da "ocupação" do Estado porque, só neste, se dispõe de tantos empregos, de tantas oportunidades e de tantas influências. Os demais partidos, sem horizontes próximos de assunção de responsabilidades, garantem ou insinuam, em geral, a existência de uma capacidade do Estado, para dar ou para fazer, que oscila entre uma confrangedora ingenuidade e um descarado embuste. Portanto, fora do arrivismo, do negocismo, da fantasia ou do sofisma, vai-se reduzindo perigosamente o espaço para a verdade e para a acção política séria. A democracia, assim, é um engano e em breve será uma terrível desilusão.

3. O clientelismo partidário encontra um aliado decisivo no "Partido do Estado". Sem este não há votos suficientes, sem votos não há "ocupação" do Estado e sem esta "ocupação" não há distribuição de benefícios. Isto é: sem os favores de grande parte dessa multidão de mais de cinco milhões de portugueses - políticos, funcionários, pensionistas, subsidiados e familiares -, detentores de mais de 55 por cento dos votos do eleitorado, nenhum partido pode hoje governar em Portugal. Por isso, nas campanhas eleitorais silencia-se, distorce-se ou dissimula-se a verdade da nossa situação para tranquilizar os membros do "Partido do Estado". Atingido o Governo, logo se procura o pretexto da "alteração das circunstâncias" em vista da imposição de medidas impopulares que, embora insuficientes, teriam alterado o sentido da votação se fossem ditas na campanha eleitoral. Os resultados desta traficância são fatais: o descrédito dos políticos e a ausência de reformas essenciais. Legislatura após legislatura, vamos caindo para níveis que não eram sequer pensáveis.

4. O produto interno bruto português cresceu 80 por cento (1960-70), 57 (1970-80), 43 (1980-90) e 30 (1990-2000); 4 por cento entre 2000 e 2005 (2). E hoje a sua evolução está muito condicionada pelo volume do crédito externo que formos obtendo: como adverte Silva Lopes (3), se este atingir limites muito mais apertados que os actuais "negras nuvens pairarão sobre o crescimento da economia nacional". No curto e no médio prazo teremos uma economia rastejante e, em boa medida, nas mãos dos financiadores internacionais.

5. É também muito grave a crise financeira do Estado. A queda prolongada da economia, a expansão descontrolada das despesas, o envelhecimento demográfico e a insuficiência relativa da arrecadação fiscal colocaram-nos na situação financeira pública mais desesperada de toda a UE/15. Efectivamente, foram estes os crescimentos reais (1960-2005): do PIB, 5,5 vezes; dos impostos, 13,8 vezes; da despesa pública primária, 15,5 vezes. Por isso, o défice fiscal em relação a esta despesa apresenta uma forte tendência para o agravamento: -1,2 pp. do Pib (1960); -2,5 pp. (1990); e - 8 pp. (2005), embora a carga fiscal, equivalente a cerca de 55 por cento da média europeia, nos anos sessenta, tenha subido para quase 95 por cento em 2005. Um Estado constitucionalizado na dependência implícita de uma economia que crescia quase 80 por cento numa década (1960-70), não tem suporte económico e financeiro quando ela se queda nos quatro por cento num lustro (2000-2005) e enfrenta ainda um acelerado envelhecimento demográfico. É isto, nomeadamente, que não permite falar com seriedade de "alteração das circunstâncias", perante uma tendência continuada e sempre agravada que atravessa mais de três décadas.

6. Crise económica e crise financeira do Estado, em especial, determinam a pouco referida crise da social-democracia / socialismo democrático. De facto, sem perspectivas favoráveis, no curto e no médio prazo, a economia portuguesa já não suporta, e não suportará, uma política redistributiva do rendimento e da riqueza (4); nem aproximará a taxa de ocupação da mão-de-obra do pleno emprego; nem assegurará, responsavelmente, o futuro de um Estado Social que pretenda garantir tudo a todos; nem um sindicalismo actuante porque, "contra" os privados, teme as falências e as "deslocalizações", e "contra" o Estado ataca verdadeiramente os contribuintes, que são as únicas vítimas do "Partido do Estado". Além da medíocre economia que temos, o Estado português, na Zona Euro, não pode ser intervencionista: sem moeda já não tem política monetária, nem cambial próprias; não tem fronteiras nem alfândegas; não tem autonomia orçamental; e não pode controlar a circulação dos capitais. Neste contexto, as políticas e os objectivos da social-democracia/socialismo democrático, que a grande maioria dos portugueses prefere, caminham para o esgotamento.

7. De resto, ainda não se entendeu bem, entre nós, que "as principais baixas políticas das crises do capitalismo na Europa Ocidental haviam de ser os partidos da esquerda [...], ao passo que os seus maiores êxitos se verificaram durante os trinta gloriosos anos de crescimento capitalista (1945-75) - a Era Dourada do Capitalismo" (5). Na verdade, sem uma economia próspera é uma pura estultícia prometer a redistribuição, o pleno emprego, a solidez do Estado Social que dá tudo a todos e a intervenção consistente do sindicalismo. Ao menos como modelo nacional e no mundo actual, a social-democracia está a caminho da irrelevância completa. É isto, muito claramente, que coloca o problema económico no cerne de todas as preocupações em alguns países da UE.

8. A abertura das economias através da UE/15, do "alargamento" e da liberalização do comércio mundial é a novidade e o embaraço. Neste novo e enorme mercado, e sem capacidade competitiva, nem vendemos em Portugal o que aqui poderíamos produzir, nem exportamos porque outros são os preferidos: as nossas produções acabam por desaparecer se não conseguirmos competir melhor ou se o mundo não voltar para trás. Em face disto, há quem pense, como Mário Soares (6), que "os socialistas têm que estar conscientes de que hoje é indispensável mudar a ordem das coisas no mundo, sem o que os seus ideais deixam de ter sentido". É correcta esta percepção quanto ao futuro da social-democracia, como a conhecemos, num espaço comercialmente aberto e com livre circulação dos capitais. Mas é muito arriscado esperar que mude a "ordem das coisas no mundo", para viabilizar a social-democracia, porque poderá não acontecer. É por isso que, se não formos capazes de promover a nossa própria mudança, nos restará o estatuto de modestos serviçais dos europeus. Resumindo: mudar é a condição da sobrevivência, conservar será o nosso suicídio. Esta é a escolha que se coloca aos portugueses.

9. A modificação mais urgente e mais difícil, mas ao nosso alcance, é a do Estado, porque não haverá meios, na próxima década, para alimentar o desvario despesista dos últimos anos. Pese embora a circunstância de sermos um dos países mais pobres da UE/15 (Quadro anexo, col.1), excedemos todos os outros na evolução de índices fundamentais relativos às finanças públicas (Quadro anexo): na carga fiscal (+ 8,4 pp. do PIB, col.2); na despesa corrente (+ 4,7 pp. - col.3); na despesa corrente primária (+ 10 pp., col.4); nas despesas de protecção social (+ 8,2 pp., col.5); nas pensões (+ 3,7 pp., col.6); e na fracção dos impostos aplicados na protecção social (+ 18 pp. do NF, col.7) (7). Uma tão desatinada evolução financeira - verdadeiramente ruinosa e sem paralelo europeu - constitui em muito o resultado do "optimismo profissional" e inconsistente dos responsáveis, e da maldição que sempre nos persegue, e que é o "ódio nacional" aos números, às contas, ao rigor e à responsabilidade, quando está em causa a gestão dos dinheiros públicos.

10. O Quadro anexo evidencia assim o insuportável ritmo da evolução das despesas correntes primárias e, nelas, das da protecção social, onde as pensões assumem grande importância. Os países que aí nos seguem imediatamente, a Alemanha e a Grécia, situam-se a uma distância enorme: -6 ,1 pp. (despesa corrente primária. col.4), -3,1 pp. (despesa de protecção social, col.5), e -1.8 pp. (pensões, col.6). Porque não vislumbramos condições para uma próxima e suficiente prosperidade económica, resta apenas o caminho das reformas urgentes, drásticas e com efeitos num prazo útil, isto é, da ordem dos cinco anos: são uma condição necessária, embora insuficiente, para evitar o colapso financeiro do Estado.

11. Fixemos o quadro fundamental seguinte:1.º Que a nossa economia, no longo prazo, apresenta um inexorável declínio;2.º Que, no médio prazo, tenderá a manter-se esta mediocridade, nomeadamente, devido: ao nosso endividamento e à dependência financeira externa; à falta de competitividade; aos custos elevados do petróleo; ao "alargamento" e às suas consequências; à penetração dos produtos chineses; à estagnação das principais economias europeias; e à ausência de investimentos estrangeiros;3.º Que a iniquidade do nosso sistema fiscal não tem impedido arrecadações que já excedem as expectativas, em comparação com a UE/15; 4.º Que, sendo estes os muito prováveis limites económicos e financeiros, nos próximos anos, a consolidação orçamental dependerá das políticas de despesas, em que avultam as do pessoal e as prestações sociais (80 por cento da despesa corrente primária, em 2004);5.º Que, consequentemente, terá de ir-se muito mais longe do que se foi, até agora, quanto àquelas políticas, o que só será possível modificando os regimes em vigor e os "direitos adquiridos", face à verdadeira "alteração das circunstâncias";6.º Que só uma nova e próxima prosperidade económica, inverosímil em prazo útil, poderia evitar ou atenuar a rudeza do que se impõe fazer;7.º Que a improbabilidade manifesta de êxito da política de espera pela "mudança do mundo" não consente, responsavelmente, mais tergiversações e delongas.

12. O que é imperativo que se faça, sob pena da nossa devastação pelo livre comércio mundial e pelo peso insuportável do Estado, exige a adesão e a unidade consciente da sociedade. E esta só será conquistada perante a verdade completa da nossa situação, enunciada pelos mais altos responsáveis políticos.

Advogado, antigo ministro das Finanças

(1). PÚBLICO, 6.Out.2005.
(2). Nos últimos anos: 1998 - +4,7%; 1999 - +3,8%; 2000 - +3,7%; 2001 - +1,8%; 2002 - +0,4%;2003 - -1,1%; 2004 - +1,1%.
(3). A economia portuguesa no século XX, ICS/2004, p. 125.
(4). Dificuldade agravada pelos altos níveis fiscais já atingidos, pela competitividade fiscal internacional e pela livre circulação dos capitais.
(5). Donald Sassoon, Cem anos de socialismo, Vol. I, p. 21.
(6). Mário Soares e Sérgio Sousa Pinto, Diálogo de Gerações, Temas & Debates/2004, p. 59.
(7). Os resultados recentes das contas públicas só não são mais desastrados porque, nos anos 90, os impostos se comportaram positivamente, os fundos europeus atingiram os 45 000 milhões de euros, as privatizações renderam 17 000 milhões de euros (dos quais 10 000 milhões amortizaram a dívida pública) e o peso dos juros caiu o equivalente a quase a 6 pp. do PIB. Este conjunto de circunstâncias favoráveis são irrepetíveis nos próximos anos.





Fonte: http://www.dotecome.com/politica/Textos/mcarreira-3.htm

O Estado à deriva

por Medina Carreira
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1. Só uma análise evolutiva e alargada a toda a UE/15 evidencia as causas e a gravidade da actual crise financeira do Estado português.
2. Os elementos disponíveis, relativos a 1990 e 2002, indiciam claramente que:

o As contas públicas de PORTUGAL suportaram a maior deterioração no âmbito da UE/15.
o Só a diminuição drástica e imprevisível do peso dos encargos com juros permitiu, em PORTUGAL, o “disfarce” do agravamento de outros pesados compromissos financeiros do Estado.
o O “privilégio” remuneratório concedido ao pessoal público, político e administrativo, constitui uma singularidade no âmbito da UE/15.
o A hipotética solidariedade europeia, em torno do respectivo “modelo social”, dificilmente será conseguida.




3. A análise do Q. I revela, nomeadamente, que:

o PORTUGAL foi o país da UE/15 que registou o maior aumento do nível das despesas públicas, sem juros: + 9,6 pp. do Pib (coluna 1).
o Apenas em PORTUGAL ocorreu o crescimento de todas as grandes categorias de despesas: salários, transferências sociais e restantes, sem juros (colunas 2, 3 e 4).
o Em PORTUGAL os salários públicos beneficiaram do mais elevado crescimento de toda a UE/15 (coluna 2).
o O aumento das receitas fiscais financiou pouco mais de metade do acréscimo das despesas sem juros (colunas 1, 5 e 6).
o O saldo negativo do financiamento fiscal das contas públicas de PORTUGAL (-4,3% pp.), sem juros, foi muito superior aos da Alemanha e da Bélgica (coluna 6).




4. O Q.II relaciona os impostos cobrados com o financiamento dos salários, das transferências sociais e dos juros. Sublinha-se que:

o PORTUGAL é o país da UE/15 em que os salários públicos absorvem uma maior fracção das contribuições e dos impostos cobrados: 45%, em 2002 (coluna 4).
o PORTUGAL é o único país da UE/15 que gasta mais com os salários públicos que com as transferências sociais: 45% e 38%, respectivamente do NF (colunas 4 e 6).
o Só em PORTUGAL e na França aumentaram as percentagens das receitas fiscais aplicadas aos salários públicos (colunas 3 e 4).
o Em PORTUGAL, a percentagem das receitas fiscais destinadas ao pagamento dos juros baixou de 29% (1990) para 9% (2002) (colunas 7 e 8).
o Esta descida (correspondente a -20 pp. das receitas fiscais) foi a maior verificada na UE/15 (colunas 7 e 8).
o Sem a baixa dos juros não seria possível melhorar a relação entre as despesas e os impostos, de 101% para 92% (colunas 1 e 2), apesar do aumento do peso relativo dos salários e das transferências sociais (colunas 3 a 6).

5. As despesas públicas totais subiram em PORTUGAL de cerca de 42% (1990) para 46% do Pib (2002). Este aumento de “apenas” 4 pp. resulta do facto de o peso dos juros ter caído, entretanto, o equivalente a 5,6 pp.: sem juros, os gastos públicos totais cresceram 9,6 pp. do Pib (de 33,5% para 43,1%). O alívio dos encargos com os juros foi totalmente “aproveitado” para a adopção de uma política de expansão das despesas correntes sem paralelo na UE/15 e desprovida do suporte fiscal suficiente; geradora, por isso, do problemático défice estrutural que registámos (-4,3 pp. do Pib–Q.I). Sem a possibilidade de nova queda dos juros, as políticas orçamentais dos anos noventa serão irrepetíveis em PORTUGAL: com uma economia que crescesse à taxa média anual de 2,5%, impostos que se elevassem a 3,9% e despesas públicas, sem juros, que evoluíssem a 4,7%, chegaríamos a 2015 com um nível de 60% das despesas totais, 41% de nível de fiscalidade (NF) e um “impensável” défice de 15% do Pib (hipótese improvável de apenas 3% do Pib para os juros).





6. O pessoal público, político e administrativo, beneficia entre nós de um estatuto remuneratório desconhecido na UE/15: o volume dos salários públicos foi o que mais subiu, entre 1990 e 2002 (+3,7 pp. do Pib – Q.I); e só em PORTUGAL superam o valor das transferências sociais do Estado (45 e 38 pp., respectivamente, das receitas fiscais (Q.II). Os salários públicos totalizavam, em 2002 e aproximadamente, 20 000 milhões de euros; e as transferências orçamentais necessárias à sustentação financeira da CGA rondavam os 2 350 milhões de euros. Para o financiamento orçamental destas despesas (salários públicos e pensões de aposentação dos políticos e dos funcionários) são necessárias receitas correspondentes à soma de: IRS (7 414 m. euros); IVA (9 814 m. euros); ISP (2 700 m. euros); imposto automóvel (1 211 m. euros); imposto do selo e estampilhas (1 192 m. euros). As despesas orçamentais com os salários públicos e as transferências para a CGA correspondem, assim, a 80% dos impostos do Estado cobrados em 2002 (28 038 m. euros) e a 62% de todos os impostos arrecadados pelas Administrações Públicas naquele ano, em PORTUGAL.
7. Também o sistema de pensões do pessoal público, político e administrativo, constitui um privilégio: em 2002, a pensão mensal média (14 meses) dos cerca de 330 000 aposentados da CGA era de cerca de 993 euros (781 euros em 1998). Os 2 030 000 de reformados da SS, integrados no regime geral, auferiam à volta dos 260 euros; e os 530 000 do regime dos agrícolas e dos não contributivos, 170 euros. Entre 1990 e 2002 a pensão mensal média dos aposentados da CGA aumentou à taxa anual de 7,5% e a do regime geral da SS à de 2,8%. O fosso nesta área das políticas sociais está a cavar-se imparavelmente.
8. Num acréscimo global equivalente a 9,6 pp. do Pib, com as despesas sem juros, entre 1990 e 2002, registam-se as seguintes percentagens aproximadas de aumentos parcelares: salários públicos, + 39%; bens e serviços, + 16%; pensões da CGA, + 23%; pensões e subsídios da Segurança Social, + 16%; restantes despesas, + 6%. Isto é, os salários e as pensões do pessoal público pesaram + 62% no agravamento das despesas públicas, com benefício directo para cerca de 1,2 milhões de pessoas. E apenas + 16% desse agravamento trouxeram vantagens directas para cerca de 2,7 milhões de pensionistas da Segurança Social (mais milhares de outros, através dos subsídios de doença, de desemprego, de abono de família e da Acção Social).
9. Entre 1990 e 2002, 11 países da UE/15 reforçaram a sua capacidade de financiamento fiscal das despesas totais, sem juros; PORTUGAL, a Alemanha e a Bélgica, pelo contrário, aumentaram as despesas sem correspondência nas arrecadações fiscais (Q.I, colunas 5 e 6). Com a Grécia, PORTUGAL continua assim a ocupar a posição mais desfavorável, despendendo 92% dos impostos com os salários públicos, as transferências sociais e os juros. Na posição oposta há vários países que lhes afectam apenas 54% a 60% das receitas tributárias; mesmo a Alemanha e a França, em crise notória, situam-se nos 80% (Q. II, coluna 2). É, pois, muito diversa a “saúde” financeira pública dos Estados da UE/15. O problema crucial de todos é o mesmo: o “envelhecimento demográfico”. Porém, fazem-lhe face em condições muito diferentes.
10. Em síntese:

o Há decisivas condicionantes económicas e financeiras que não permitirão a persistência com políticas orçamentais semelhantes às de 1990 a 2002, sob pena de uma maior e mais grave crise financeira do Estado português num prazo não muito afastado.
o As diferentes circunstâncias de eficácia económica, de concretização oportuna de reformas essenciais e/ou de adequação das políticas orçamentais, afastam muito uns Estados dos outros, na UE/15, quanto à necessidade, à premência e à profundidade das reformas do “modelo social europeu”.
o É inaceitável e incompreensível que se tenha criado o “grupo” privilegiado de interesses do pessoal público que, só à sua conta, absorve mais de 60% do acréscimo dos gastos públicos.
o Está assim criada uma escandalosa e já insanável “fractura” na sociedade portuguesa, privilegiando claramente os “públicos” em detrimento dos “privados”.
o É, por isso, risível o discurso político frequente da “solidariedade”, da “coesão” e da “justiça social”, feito por alguns dos co-autores, e também beneficiários, das políticas da “fractura”.
o Sem políticas e reformas urgentes e profundas, nomeadamente no que respeita ao estatuto remuneratório daquele pessoal público, não haverá arranjos orçamentais suficientes para debelar a crise.

Fonte: http://www.dotecome.com/politica/Textos/mcarreira.htm



segunda-feira, 9 de março de 2009

A Verdade Não Mora Aqui

Medina Carreira in DN

Lisboa, 1 de Fevereiro 2005


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  "Cada vez mais vejo gente que sabe quem não quer, mas não sabe quem quer. Ou antes, não quer nenhum." 

(António Barreto, PÚBLICO, 23.01.05) 

1. Teremos em breve eleições legislativas. As terceiras desde 1999. E é improvável que, em Fevereiro de 2005, se encontre uma solução política adequada para enfrentar a nossa gravíssima crise. O Estado é inoperante, insustentavelmente sobredimensionado, está em crescente desqualificação e perdeu poderes decisivos de intervenção económica (monetário, cambial, alfandegário e orçamental). A economia fragilizou-se no último quarto de século, só reagindo, ocasionalmente, com o impulso de ocorrências externas, muito favoráveis. O peso da despesa pública levará, em poucos anos, ao colapso financeiro do Estado, com pesadas consequências para todos mas, em especial, para mais de 4,5 milhões de indivíduos dele directamente dependentes(1). Ninguém, revelou, na política activa actual, discernimento, aptidão e credibilidade para tranquilizar o País e vencer uma tal crise. Com o "anonimato" dos candidatos a deputados, generalizou-se a promoção do demérito; os principais partidos políticos são hoje a melhor e a mais procurada agência de empregos para uma certa "mão-de-obra"; a ilimitação dos mandatos favorece a inércia e a rotina; o exclusivo partidário da apresentação de candidaturas visa a obediência e a hipocrisia política (2); a opacidade do financiamento dos partidos estimula a corrupção. O sistema semi-presidencial que vigora mostra-se inconsequente: o Presidente da República medita, reúne, exorta, insiste e é muito aplaudido, mas nada acontece. Os governos são escolhidos a partir de programas eleitorais irrealistas e demagógicos; enfraquecidos pelo inevitável incumprimento das promessas, são diariamente fustigados, julgados e condenados no primeiro acto eleitoral que aconteça. O Parlamento, com gente a mais e que nada representa, é palavroso e inconsistente, e vai degradando a imagem da democracia. Os problemas do País acumulam-se e agravam-se, e o tempo útil das soluções está a esgotar-se. Nos anos 20 e 30 do século passado, na Europa, este tipo de democracia atraía os ditadores. No início do século XXI, mantém o atraso e conduz à pobreza.

2. Só uma mirífica e muito rápida aceleração do crescimento económico poderia evitar-nos o tombo que já está à vista. Porém, a nossa capacidade competitiva não melhora; os "motores" da Europa não arrancam; do alargamento e das deslocalizações virá mais desemprego; o preço do petróleo será alto; os juros subirão, mais mês, menos mês; o câmbio euro/dólar aumenta com os défices dos Estados Unidos; a China está aí à porta, pronta a entrar livremente, com consequências preocupantes; o investimento estrangeiro não encontra aqui factores suficientes de atracção. Por isso, e por agora, nada prenuncia o fim da estagnação. De resto, a análise do nosso comportamento económico, pelo menos desde 1980, revela uma desoladora incapacidade: com excepção de dois períodos muito favoráveis (num total de dez anos), a taxa média de crescimento anual e real quedou-se pelos 0,6 por cento (3). Nos anos 80, valeu-nos sobretudo o preço do crude que desceu fortemente; nos anos 90, foi a entrada para o euro e a consequente baixa dos juros, que expandiu e generalizou o endividamento dos agentes económicos, e fez "explodir" a procura interna. O que vale, afinal, a economia portuguesa, sem "choques" externos positivos?

3. Dispersos na nossa sociedade, temos 4,5 milhões de indivíduos que integram uma espécie de "Partido do Estado". Têm em comum a dependência directa do Orçamento e representavam, em 2003: 43 por cento da população residente; 56 por cento do eleitorado; 62 por cento da população com mais de 24 anos de idade. Pensionistas e subsidiados (mais de 3,8 milhões), equivaliam a 70 por cento da população activa. Este "Partido do Estado" absorvia 70 por cento dos impostos cobrados (1980); atinge agora os 85 por cento (2003). O pessoal político dos principais partidos "invade" progressivamente o Estado e pretende mais funcionários, mais pensionistas, mais subsídios e mais subsidiados, porque aí pode angariar mais votos. Os que ainda estão fora do "Partido do Estado" constituem uma minoria cada vez mais desiludida, reduzida e silenciada, e menos influente. Adormecido e enganado, Portugal trilha o caminho para o desastre financeiro do Estado e para uma pobreza mais generalizada dos portugueses. Ninguém nos acode.

4. Os resultados das políticas orçamentais de 2002 e de 2003, da ministra Ferreira Leite, já estão estimados (A economia portuguesa, Junho de 2004-MF/DGEP): entre 2000 e 2003, o peso no produto das despesas com o "pessoal", com o "consumo intermédio" e com os "juros", diminuiu globalmente um ponto percentual.(4); e aumentou nas "prestações sociais", nos "subsídios" às empresas e em "outras despesas correntes", no equivalente a 3,5 pontos percentuais.(5). As "prestações sociais" subiram ao ritmo anual médio e real de 7,5 por cento. Globalmente, "pessoal" e "social", absorviam 79 por cento dos impostos cobrados (2000), 85 em 2003. Os números "falam" por Manuela Ferreira Leite, que só não conteve o que não era possível. Anuncia-se o inevitável ocaso do Estado-providência. A crise que atravessamos é, sem dúvida, a mais difícil e virá a ser a mais longa desde há muitas décadas: é a primeira que só venceremos com autênticas e impopulares reformas estruturais, para cuja realização nos temos mostrado incapazes; encontra-nos impreparados para suportar os "choques" externos desfavoráveis, mais sensíveis nas economias abertas e frágeis, e o "envelhecimento demográfico"; o Estado, na Zona Euro, perdeu os instrumentos de intervenção económica e, o que poderia restar-nos - a política orçamental -, está "bloqueado" pelos desatinos financeiros dos anos 90. Desde há muito que não enfrentávamos exigências e condicionantes tão fortes.

5. Perante tudo isto, as evasivas nada resolverão. Não basta afirmar que a "democracia" tem sempre soluções alternativas; hoje não vislumbramos nenhuma à altura da crise. Não é suficiente a detenção de uma "maioria absoluta", se não for acompanhada de capacidade para executar um programa realista e impopular. A proclamação de "objectivos" ambiciosos, mas inviáveis, não conquista eleitorados, gasto como se encontra o método, com trinta anos de uso imoderado. As mensagens de "optimismo" não bem fundado criam suspeitas sérias de incompetência ou são simples embustes. O enunciado das soluções de longo prazo - mesmo quando bem intencionadas, adequadas e realizáveis - nada adianta se os governos, ao cabo de um ou dois anos, estão "destruídos"; nunca se chega a promover o longo prazo, porque se capitula no curto prazo. Quatro governos em cinco anos não deixam ilusões. Sem "verdade", são bem prováveis mais legislaturas incompletas.

6. A avaliação do mérito das propostas eleitorais dos partidos que poderão formar Governo pressuporia a apresentação pelos mesmos, bem antes das eleições, de uma caracterização rigorosa e quantificada da nossa situação económica e financeira e da sua previsível evolução nos próximos cinco e dez anos. E ainda a resposta, nomeadamente, às seguintes questões:

1.º) Que medidas propõem para conferir mais eficácia ao sistema político, para aperfeiçoar o sistema eleitoral, limitar os mandatos, incompatibilizar funções, modificar o regime imoral das reformas do pessoal político, reduzir o número de deputados, remunerar adequadamente os governantes e um número indispensável de deputados competentes, e financiar os partidos?

2.º) Como projectam promover uma maior qualificação dos estudantes e dos trabalhadores, pela via da exigência, do rigor e da disciplina, e não pela estafada expansão dos gastos para contentar as "corporações"? (6)

3.º) Como, no imediato e no médio prazo, estimularão o crescimento económico, considerando que se fosse pela forte aceleração da "procura interna", ela só se sustentaria à custa de volumosos financiamentos externos?

4.º) Como prevêem a criação maciça de emprego, fora do Estado, e como financiarão as medidas necessárias para o efeito?

5.º) Em que sectores ou rubricas promoverão a baixa do peso no produto das "despesas públicas correntes", considerando a evolução acelerada das "prestações sociais"?

6.º) Que efeitos financeiros globais aguardam com as reformas dos funcionários, que passarão a receber como aposentados, entrando como seus substitutos outros que receberão como funcionários?

7.º) Que medidas irão adoptar, e em que prazo, para que o peso dos gastos com o "pessoal público" diminua de 15 por cento para 11 por cento do PIB (média da UE/15)? (7)

8.º) Como se propõem assegurar o financiamento futuro das "prestações sociais" - o Estado-providência -, que aumentaram de 14 para 17 por cento do PIB entre 2000 e 2003 e cujo acréscimo absorveu, só por si, 90 por cento do aumento verificado das arrecadações fiscais? (8)

9.º) Quais os valores admitidos para os aumentos salariais, os das pensões e os dos subsídios (mais 10 euros por cada indivíduo e por mês, equivalem a um total de 630 milhões de euros anuais, isto é, a 0,5 por cento do PIB em 2005)? (9)

10.º) Qual o limite máximo admitido para o défice público (8 por cento, 10 por cento, 12 por cento), tendo em conta que, sem receitas extraordinárias, ele já se situa à volta dos 5 por cento do PIB?

11.º) Aceitando, assim, maiores défices haverá uma aceleração do peso do endividamento público e dos seus custos financeiros futuros: como conciliar isto com o aumento dos encargos decorrentes do "envelhecimento demográfico"?

12.º) Que conjunto de medidas legislativas, administrativas e judiciais, propõem para uma eficaz acção contra a evasão e a fraude fiscais?

7. É cada vez maior o número de portugueses que não acredita na generalidade dos políticos, nem na capacidade das instituições vigentes, nem nas promessas que lhes são feitas, nem no futuro do País. O próximo acto eleitoral de 20 de Fevereiro teria sido uma boa oportunidade para dizer toda a "verdade" e justificar todas as "exigências". Porque, durante alguns anos, não se sabe quantos, teremos mais esforço que laxismo, mais contribuições que benesses, mais deveres que direitos e mais dúvidas que certezas. Terá de reconstruir-se tudo a partir de quase nada. Entretanto, muitos terão pago um preço imerecido.

Notas:

(1). Cerca de 730 000 funcionários públicos; 2 591 000 pensionistas da Segurança Social; 477 000 reformados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações; 307 000 beneficiários do subsídio de desemprego; 351 000 beneficiários do RMI. Com os familiares próximos poderão ser uns 6 milhões de indivíduos, numa população de 10 milhões.

(2). "Os bons não querem ir para lá, e os maus querem porque aquilo é um emprego fácil". "As direcções partidárias gostam de deputados amigos ou gente que não chateie" (Vicente Jorge Silva, Grande Reportagem, 22.01.05). Já pressentíamos o que agora é confirmado por quem saiu há semanas da Assembleia.

(3). Entre 1985 e 1991, taxa anual de 5,5 por cento; entre 1995 e 2000, taxa de 3,8 por cento. Nos restantes catorze anos, à taxa anual de 0,6 por cento.

(4). Consumo intermédio: -0,6 pp.; juros: -0,3 pp.; pessoal: -0,1 pp.

(5). Prestações sociais: +3,0 pp.; subsídios às empresas: +0,4 pp.; outras despesas correntes: +0,1 pp. O subsídio de desemprego contribuiu com +0,5 pp (2000 a 2003).

(6). Em 2002 só na Turquia e no México as percentagens da população com o 2º ciclo eram mais baixas do que em Portugal (OCDE - Regards sur l'éducation, 2004); entre os adultos, só no México os indicadores são mais desfavoráveis que os nossos.

(7). Com um crescimento económico à taxa média anual de 2,2 por cento (1990-2003), a diminuição dos custos com o "pessoal" para 13 por cento do PIB (2008) e 11 por cento (2012) e o aumento das "prestações sociais" à taxa anual de 7,5 por cento (2000-2003), as "despesas correntes primárias" atingiriam os 43 por cento (2008) e os 47 por cento do PIB (2012), níveis insusceptíveis de financiamento fiscal. Neste quadro hipotético, a estabilização das "despesas correntes primárias" ao nível dos 40 por cento pressuporia uma década de crescimento económico à taxa média de 4 por cento.

(8). As arrecadações fiscais cresceram 6,8 mil milhões de euros e as "prestações sociais" 6,1 mil milhões. 

(9). Valor correspondente a 4 500 000 x 10 x 14 = 630 000 000.

Fonte: http://www.dotecome.com/politica/Textos/mcarreira-2.htm